sábado, 13 de novembro de 2010

Entrevista com Darren Leung e Mestre Li Hon Ki

Olá, pessoal,

Achei aqui em meus arquivos uma entrevista com o Filho de Sigung Duncan Leung, o ator de cinema Darren Leung (Yip Man 2), quando de sua visita a Salvador. A entrevista foi feita no Mo Kwon do Mestre Alberto França Gomes e teve a participação de Sifu Li Hon Ki. A simplicidade das respostas de Sisok (tio-mais-novo) Darren refletem o que é o sistema Wing Chun. Reparem a visão realista que ele passa na comparação entre a luta dita "de rua" e a luta de competição. Bem diferente do discurso alienado da maior parte das escolas de Wing Chun. Boa leitura.

D= Darren Leung
L= Li Hon Ki
R= Repórter

R: Mestre Darren, a quanto tempo você
pratica Wing Chun?

D: Eu comecei aos doze anos, mas me interessava em praticar o sistema desde
os dez.

R: E quanto tempo levou para você se tornar um mestre no sistema?

D: Wing Chun é bastante complicado. É simples e complicado ao mesmo tempo,
então é difícil dizer quanto tempo se leva até a maestria em todo o sistema.
Apenas por ousadia eu não poderia dizer...

R: Como é ter seu pai como mestre?

D: Bem difícil. Antigamente ele era muito direto como Sifu e também em casa
ele é muito direto. Então, em casa, se você consegue imaginar, você pode
dizer qualquer coisa que se diga a um pai, porque ele é o mestre. E na aula
se você faz algo que esteja errado, você sente como se seu Sifu estivesse
tentando estivesse tentando ajudá-lo. Você sente como se seu pai estivesse
disciplinando você.

R: Então ele te corrigia à base do grito?

D: Não exatamente. Ele era mais cuidadoso comigo. Ele se certificava de que
eu soubesse exatamente o que eu podia. E que eu soubesse o máximo a respeito
das coisas, o que acontecia/.../

R: Mestre Li, como foi para você a experiência com o mestre Duncan?

L: Muito bem, eu tenho treinado Wing Chun por mais de trinta anos. Eu
treinei com 5 mestres, eles eram bem famosos, e então, quando eu encontrei o
mestre Duncan, eu pensei: “ é o mesmo, é apenas tentar que se consegue “,
vai ser fácil “. Mas foi bem difícil. Através dele eu conheci o verdadeiro
Wing Chun e abri minha mente para as artes marciais. Ele me ajuda bastante.

R: Como você o compara a Yip Man?

L: Yip Man era o mestre ao estilo antigo. Ele não gosta dos alunos
perguntando isto ou aquilo. Ele ainda poderá conversar um pouco se estiver
muito feliz, num determinado dia. Mas para Duncan eu posso perguntar
qualquer coisa. Durante o tempo que eu treinei com Duncan, eu morei em sua
casa, com sua família. Ele sempre dormia tarde e assistia TV. Se de repente
eu tivesse alguma pergunta, eu poderia perguntar a ele, e ele sempre me
explicava com o máximo de detalhe. Por isso eu pude melhorar meu Wing Chun e
as outras artes marciais. Eu sou muito grato a ele.

R: Você poderia nos contar um pouco sobre a personalidade do mestre?

D: sua personalidade é, digamos, temperamental. Na falta de um termo melhor,
essa é a palavra que pode definir. Ele também é o tipo de pessoa que pode
fazer algo continuamente, não importando o quão chato seja. Enquanto ele
estiver interessado, ele pode fazer algo por todo o dia a fio. O que eu
quero dizer é: se ele gosta de uma sopa, ele vai tomar a mesma sopa, todo
santo dia e ele ama isto. A mesma coisa com Wing Chun, tudo que ele faz é
Wing Chun, e nunca se cansa.

L: Exatamente o que todo aluno gostaria de se tornar, perfeito. Às vezes é
muito difícil, por que ele é muito, muito bom e eu penso que seu espírito é
nascido para as artes marciais, e mesmo que tentemos copiá-lo, não seguimos
alcançar. Eu treinei pesado, tentei alcançar um pouco mais, mas é muito
difícil mesmo. Ele nasceu para isso. E ele quer todo mundo exatamente como
ele. Ele é muito esperto e inteligente. Ele tem uma grande facilidade de
aprender, e é por isso que eu acho que ele pensa que tudo é fácil, todos são
como ele, tão perceptivos quanto. E se nós cometemos um engano, ele não
aceita e se torna mais duro no treinamento. É por isso que às vezes eu me
sinto pressionado, mas me mantenho fazendo o meu melhor para fazê-lo um
pouco mais feliz.

R: Mestre Darren, você já praticou outras artes marciais?

D: Sim, a razão foram os filmes, pois eu sou orgulhoso do meu Wing Chun.

R: Somente o Wing Chun...

D: Claro, eu cresci convivendo com o Wing Chun, era do que eu brincava na
escola, queria imitar, e quando estava crescido o bastante, aos doze anos,
eu comecei a treinar e era todos os dias Wing Chun. É onde meu coração está.

R: Então os outros sistemas não te interessam tanto quanto o Wing Chun?

D: Eu acredito que um sistema é exatamente o que é: um sistema. Então, por
exemplo o Louva-a-Deus, eles tem seu próprio modo de fazer. Então numa
explicação você vai ouvir: “ este punho é para isto, este golpe é para
isto...” Isto funciona para o sistema, é como construir uma casa. Se você
constrói uma casa de uma determinada maneira, tudo ao redor da casa deverá
ser construído da mesma maneira. O Wing Chun tem uma casa a seu próprio
estilo, com as linhas centrais, linhas diretas. A maioria dos estilos tem um
sistema fechado, o Wing Chun tem o seu próprio sistema fechado. Eu o
considero basicamente igual, pois...

R: Uma casa é uma casa...

D: Isso, uma casa é uma casa.

R: Em que outras artes chinesas você tem formação?

D: Um pouco de pintura, caligrafia. O que eu posso dizer com mais certeza é
que eu falo chinês e...

L: Cozinhar... ( risos )

D: Sim, eu cozinho, porque tudo é frito, bem fácil.

R: O que você sente a respeito da luta de rua?

D: Luta de rua..

L: é apenas luta

D: é luta

L: Você dispõe de um menor tempo para derrubar o oponente.

D: a maior parte da luta de rua é isto, eles dizem: “ei, eu não gosto de
você, vamos lá fora nos encarar, esteja pronto, eu estou pronto. Vamos lá.”
Luta de rua é estar conversando com um cara num bar, você o provoca, ele
provoca você e de repente alguém soca. Acabou. É realmente uma luta, e os
caras realmente estão indo lutar, mas não é como uma luta de campeonato.
Muitos dizem que uma luta de torneio não é tão boa quanto uma luta de rua,
porque não é real, com todas as luvas e regras. Mas num torneio, você tem
que estar 100% preparado, porque o outro cara tem treinado, ele está pronto
para você, se preparou 100% para lutar com você. E ele está perfeitamente no
seu tempo, então esteja no dele. É terrível. Uma luta de rua é provavelmente
mais fácil do que um full-contact.

R: Você já se envolveu em brigas de rua?

D: Não recentemente.

R: Não recentemente, mas já se envolveu.

D: É, mas nada de especular, coisa de criança.

R: Mas voltaria a se envolver.

D: Hoje em dia não, as coisas são muito diferentes da minha infância.

R: Algumas pessoas acreditam que Yim Wing Chun nunca existiu, que ela teria
sido uma invenção dos praticantes para confundir os manchus. O que você pode
dizer a respeito?

L: Eu não posso dizer sim ou não porque eu amo as artes marciais, e estou
sempre praticando e lutando nos torneios, e não tenho tempo para me
certificar da história, por que os chineses antigos que praticavam artes
marciais não estudavam, apenas praticavam, não havia escrita, somente luta,
então toda história era passada oralmente. Então eu não posso provar nada
sobre essa questão, mas é mais fácil para mim acreditar que sim, já que foi
o meu mestre que me passou, e é o que eu passo para os meus alunos. Mas não
posso provar se é verdade ou não.

D: O que ele quer dizer é que o mais importante é a raiz do sistema. O
conceito por inteiro é que você pode fazer o maior dano com o menor esforço.
Essa parece a razão para se acreditar que tenha sido inventado por uma
mulher. As mulheres podem ser muito eficientes. Eu mesmo treinei com garotas
e mulheres que eram muito eficientes, mesmo tendo aprendido somente um pouco
do sistema, o estilo funciona. Não faz tanta diferença ficar questionando a
existência ou não de Yim Wing Chun.

R: Qual o objetivo da sua vinda ao Brasil?

D: Eu vim pelo mestre Li, que tem muitos conhecimentos e experiência. Tanto
no nosso sistema como em outros. Eu sei que posso confiar nele, num mundo
onde há centenas, talvez milhares de escolas diferentes, como eu posso saber
se devo confiar nelas? No mestre Li eu sei que posso confiar e que o estilo
está em boas mãos.

R: Vocês poderiam mostrar isso aqui, numa luta?

D: Com esse cara? Eu quero é umas aulas... (risos)

L: Eu tento fazer meu melhor para... eu não posso dizer ensinar, uma vez que
ele é o filho de meu mestre e eu respeito muito por isso. Eu apenas troco
alguma idéia, minha experiência neste mundo. Eu aprecio diversos estilos,
porque eu amo as artes marciais. Então é por isso que eu posso trocar alguma
experiência com ele. Não posso dizer que o ensino.

R: Uma pessoa poderia aprender Wing Chun por um livro, através do seu
próprio intelecto?

D: Uma questão interessante. Inclusive eu estou trabalhando num manual de
compreensão para o passo-a-passo do sistema que fique documentado do início
ao fim, porque o Wing Chun hoje em dia está desunido, fora de padrão. Ele (
mestre Li ) começou com cinco outros mestres. Quatro ou cinco mestres
diferentes antes de encontrar o meu pai. E qual desses Sifu que sabe mais?
Qual está certo, qual está errado? Isto não importa. O que eu quero fazer é
dar a certeza de que nosso sistema estará unificado, porque, você sabe, duas
pessoas podem aprender a mesma coisa, mas aí elas saem. Então ensinam a mais
duas pessoas e essas a mais duas, e assim por diante, então toda família se
torna dispersa, eu estou tentando manter todos numa mesma linha para manter
o que meu pai disse, então eu quero documentar isso.

R: Houve uma certificação dos dados corretos?

D: Absolutamente. Porque em cada passo do caminho, eu contei com meu pai
para ter certeza se os conceitos e a história estavam todos registrados e
corretamente. E muito disso é basicamente um trabalho em progresso e ele
ainda teve a seriedade de gravar muita coisa em fitas, as quais ele olhou,
procurando principalmente detalhar e colocar os movimentos dentro de suas
situações, pois as figuras de livros muitas vezes podem gerar idéias erradas
para as pessoas que se deparam com elas, então eu as pus abaixo. E de casa
você pode mandar mensagens no nosso quadro de mensagens. As pessoas
escrevem, fazem perguntas sobre Wing Chun.

R: É possível para um praticante obter o modo ser do Wing Chun apenas por
esse manual?

D: A idéia é que o manual sirva como uma luz sobre o conhecimento da
intenção dos movimentos no Wing Chun, não quer dizer que você possa aprender
apenas lendo, é impossível, é como você pegar um dicionário e dizer que já
fala inglês, isso não acontece. O Wing Chun tem um coração, você não pode
aprender um coração por um livro, sem ter a experimentação junto às pessoas
que também praticam.

R: E finalmente, vocês têm alguma mensagem a deixar para os praticantes de
Wing Chun?

L: Bem, eu apenas desejo que todos os alunos, toda a família, permaneça
sempre junta, porque meu mestre me ensinou Wing Chun, eu ensino Wing Chun
aos meus alunos... o mais importante é manter vivo o Wing Chun, eu não
gostaria que parasse na minha geração, mas muitas vezes eu encontro meus
alunos, mesmo os de São Paulo discutindo, de vez em quando eles estão
discutindo, é por isso que eu gostaria de dizer a todos os meus estudantes
que nós devemos permanecer juntos para mostrar poder, poder para as outras
pessoas, isto é o mais importante, porque se a família cai Wing Chun cai
junto.

D: Eu gostaria de dizer algo em complemento. É óbvio que o treinamento é
duro, mas há duas coisas sobre tudo: respeito e manter a mente aberta. Se
você não pensa, não consegue manter a mente aberta. Eu tenho que respeitar
todos a meu redor, tenho que respeitar os outros estilos. Afinal, eu não sou
a única pessoa no mundo, esse tipo de pensamento não funciona, não ajuda em
nada. Você não pode unificar uma família e manter todos juntos sem respeito.

3 comentários:

Douglas Ferreira disse...

excelente a entrevista, ela é de que ano?
parabéns pelo blog, muito bom, valeu por compartilhar estas materias que são como jóias e pedras preciosas.

Unknown disse...

Tenho de checar, acho que de 2005, talvez, um pouco antes, realmente náo lembro, porque quando da visita dele eu estava de molho depois de uma cirurgia apos uam luta, eu só fui conhece-lo de fato na China no ano passado, quando pude treinar com ele e te-lo com anfitriao numa trip em Hong Kong.
Muito boa entrevista, mesmo.

Unknown disse...

Sibak, está entrevista é de 2003, fui eu quem enrrevistei os Mestres Darren e Li Hon Ki. Muito em breve irei disponibilizar a entrevista em vídeo. Abraços, André

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