quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

APPLIED WING CHUN EM ABERTO DE ARTES MARCIAIS

Durante dois meses estive preparando um de meus alunos, João Gilberto, que também é especialista e representante do Muay Thai Chaya* no Brasil para lutar em um aberto realizado na cidade de Ilhéus, interior da Bahia, onde este meu aluno é originalmente radicado.


                                          João em treinamento de Chaya na Thailandia
João está se recuperando de uma gastrite bacteriana que o fez perder bastante peso na Thailândia e o impediu de se alistar na Legião Estrangeira em meados deste ano. Contra todos os meus apelos, quis lutar acima da sua categoria de peso. Sem ter condições de treinar bem seu estilo pela falta de parceiros e equipes disponíveis de Thai em Salvador onde vive hoje, ele preferiu fazer a sua preparação treinando metade de seu tempo o Applied Wing Chun comigo, que ganhei por meu turno um parceiro de alto nível técnico para treinar as técnicas de competição que aprendi na China.

João, além de ser meu aluno, é um grande parceiro e amigo. Treinamos, montamos academia juntos, produzimos mais da metade do livro Kung Fu Wing Chun com dinheiro de nosso bolso, e não à toa seu nome é o mais repetido nas dedicatórias da obra. João esteve comigo quando minha filha mais velha esteve doente, quando fundamos a Applied Wing Chun Brasil, na correria atrás de grana para manter o Wing Chun vivo em Salvador, tirando o nome que tínhamos dos pequenos círculos underground do "black-war-skinhead-metal" nos quais a fama da efetividade do nosso Wing Chun começou a ser respeitada, para uma escola onde qualquer um, independente do talento, capacidade física, ideologia ou gosto musical, pudesse aprender nossa arte marcial , desde que respeite e honre nossa visão de mundo, de treino e valores, permanecendo conosco - quando o aluno não se dedica o suficiente convido-o polidamente a procurar um lugar compatível com seu grau de dedicação ao treinamento - com endereço certo depois de peregrinarmos pelo submundo punk, galpões de bairros distantes, casarões abandonados e por fim edifícios de condomínio, sempre com muito orgulho de nosso Wing Chun, até o reconhecimento nacional pelo trabalho que fizemos na internet, e o interno reconhecimento dos membros mais antigos e talentos da família do nosso nível técnico, embora o único do sul que tenha tido humildade, lastro e culhão para falar isso publicamente tenha sido meu Sihing Marcelo Florentino, coisa que lhe serei eternamente grato.


João ganhou a luta, mas não levou. Na minha visão de lutador, ganhou os três rounds com folga, perdendo a chance de nocautear no final. Entretanto, duas quedas com low kicks no último round, além de duas cotoveladas (proibidas naquela competição) dadas pelo hábito tanto do Wing Chun quanto do Thai clássico de transformar um soco bloqueado num golpe de cotovelo, fizeram-no perder pontos preciosos. Mas faltou pouco para que ele nocauteasse seu oponente com um bom boxe, e só a sua postura, sua confiança num estádio cheio de gente torcendo contra, mostra o quanto João já é maduro em seu espírito de lutador. Ele ficou calmo, relaxado, rindo, todo o tempo, e quem já lutou sabe que "quem tem ... tem medo". Ajudou seus amigos ficando no corner quando necessário, tranquilizou seus amigos nervosos antes das lutas, cumprimentou seu adversário na derrota e valorizou a vitória do mesmo, mostrou ser leal, companheiro. Tudo o que eu sempre quis ver num discípulo.


A rotina de treinamento em minha casa, onde fica nosso novo MoGwun, corrida, técnica, sparring, limpeza do local de treino, preparo das refeições, receber os alunos, dar aula junto, aguentar o cansaço e a dor no corpo dessa maratona de 5 horas, especialmente para mim que já não sou nenhum garoto e já sinto um pouco o treino de alto nível, aproximou mestre e discípulo ainda mais, e acho que honramos nossos ancestrais, nosso SiFu Li Hon Ki e os poucos condiscípulos que respeito na familia. Lutamos com honra, contra adversário mais pesado e bem preparado. Do applied wing chun João aplicou em seu jogo as coberturas de pernas treinadas á exaustão, tanto que o chute "rabo do crocodilo" foi usado pelo adversário mais pela dor que as coberturas do Thai Chaya e do Wing Chun causam que por visão de luta. João usou também Din Choi e Kwan Sao Dang Gerk. Pouco, mas foi bom pelo tempo curto que treinamos, e pela falta de hábito de João com o Wing Chun de competição, embora já tenha quebrado muito professor de boxe que nos menosprezou pela de conhecimento da nossa técnica apenas com o Wing Chun clássico de defesa pessoal.

                                                                Lucas Forrest, lutador de Wing Chun, 
                                                                TKD e Luta Livre não lutou, seu adversário 
                                                                se machucou. Foto, treino João e Lucas.


O link para trechos curtos da luta o leitor pode encontrar em: http://www.ogladiador.com

Próximo post comento a vitória de meu ex-parceiro de treino Nelson Santana, ex-campeão brasileiro de Kung Fu preparado por Edy Freire, ambos discípulos de Li Hon Ki, em evento de MMA em Campinas, com um uso mais ostensivo do Wing Chun que na luta de João. Falta o "abutre" mandar-me o vídeo da luta, que fica melhor comentar. Se não me enviar, paciência, comento do jeito que der. Nelson irá começar preparação comigo aqui Salvador e continuará com Dhai Sihing Marcelo Florentino em SP, e tenho boa perspectivas de maior aplicação da técnica, porque Nelson já tem um chão muito bom, isso vai deixá-lo tranquilo para fluir em seu Wing Chun e boxe em pé.

                                                        Nelson treinando no Muk Yam Jong anos atrás

Abraço,
Marcos.

*Chaya é um estilo de Muay Thai de defesa pessoal com estrutura, golpes e proposta marcial muitíssimo parecidos com Wing Chun, ou melhor, desculpem a falha, especificamente com o "Applied" Wing Chun, que usa as extremidades como joelho e cotovelo para machucar o adversário na defesa. Eu não sei outras escolas usam esta abordagem, até hoje nunca vi nada parecido. Agora, se você fala em geração de energia, "encaixe" etc., isso já é bem falado no Brasil, mas isso é já influência forte do livro e das vídeo aulas publicados por SiFu Li Hon Ki nos meados dos anos noventa.



segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Meu desejo, meu pedido e destino na noite estrelada

Hoje não vim para falar de socos ou chutes, ou para tentar explicar pela incontável vez para as pessoas que o Wing Chun não é uma forma idiota de atacar para frente como se se estivesse tendo um ataque epilético com socos de lango-lango.

Quero falar sobre minha filha primogênita, Nathália, ou melhor, sobre sua ausência, a falta que ela me faz. Ontem ela fez cinco anos. Não pude ouvir sua voz, nem vê-la fazer com sua mãozinha a idade fácil. Não sei quais seus sonhos, nem o que ela espera do futuro, nem mesmo deste tão próximo, o que ela quer ganhar de natal, embora desconfie. Sonho com ela todos os dias, sem faltar um só, e são sonhos doloridos que não raro me deixam prostrado e soturno durante o dia. E eu sequer sabia que isso podia acontecer com alguém antes de perder o convívio com ela.

Há mais de nove meses não a vejo. Acabaram-se os banhos, e com eles a promessa não muito segura do shampoo passar longe de seus olhos, o preparo do jantar, o beijo de boa noite, o ouvir de sua vozinha doce pedindo-me para contar a mesmíssima história de novo, e o vídeo batido das princesinhas para fazê-la capitular ao sono. Ela escondida num canto, de costas, com os braços cruzados e a cara emburrada quando eu lhe ralhava. Os passeios solitários e gostosos ao parque, o prazer de fazermos uma refeição juntos num lugar público exibindo nossa harmonia, a filha pequena nos braços fortes do pai babão, e aquele repente do seu olhar silencioso em mim, enquanto seus dedinhos passeavam pelo meu rosto, marcando-me para sempre com sua candura, com o seu amor simples e puro de criança. Aqueles abraços demorados e tão profundos nos reencontros, nas despedidas. Tão pequena e já tão forte, tão serena no lidar com a lonjura.

Às vezes me revolto, tenho desejos amargos e pouco gentis. Mas quando chega a noite, destarte  o sofrimento incomensurável e luta para que o sonho doído não deixe mais uma marca atroz para o dia implacável, sei que fiz a coisa certa, embora as pessoas à minha volta, mesmo as mais próximas, não entendam que um pai sempre sabe o que é melhor para o filho. Apesar de toda crítica, todo o preconceito que existe contra pais em minha situação, que muitas vezes aceitam a critica de tanto a ouvir repetir, ao invés de seguir seu coração. E da mesma maneira que perdi minha filha, sei que a terei de volta em meus braços um dia.

Com quatro anos incompletos, Nathália me disse certa vez: "Papai, eu sempre olho para céu procurando você". E todos os dias, na madrugada, é lá que a encontro, no céu estrelado onde eu me perdia em minha meninice nas noites escuras do interior. E quando olho para céu hoje, homem feito, maduro e ferido, em meu ritual diário, sei de cor meu desejo, meu pedido e meu destino. Boa noite, filha.


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Matéria no Blog do Dido, agradecimento e anúncio de novo site.

Olá, pessoal,

Dêem uma olhada na matéria que o Dido http://blogdodido-dido.blogspot.com/ fez sobre sua vinda a Salvador para treinar sobre a minha orientação, composta de duas partes. Ficou muito interessante, e eu gostaria em especial que meus alunos das turmas regulares, que puderam conhecê-lo durante um de nossos treinamentos noturnos, dessem uma olhada nisto.

Gostaria também de agradecer as pessoas que amam Wing Chun por terem batido o recorde de acessos em nosso blog. Acredito que tenha sido por causa da matéria sobre Luk Dim Boon Kwun, acho que as poucas pessoas que tiveram acesso a este conhecimento no Brasil não escrevem muito sobre esta parte do treinamento de maneira autoral, e achei que seria uma inspiração àqueles que, assim como eu, fizeram grande sacrifícios pessoais para terem acesso a este conhecimento precioso. Como afirmei no texto, Luk Dim Boon Kwun foi o último conteúdo aprendido por mim, e tive a satisfação de mandar um de meus alunos reaprender esta forma diretamente com Sifu Li Hon Ki, quando este dedicidiu ensinar este contéudo a seus demais discípulos.

Quero aproveitar o ensejo para mandar um grande abraço a meu irmão-mais-velho no kung fu, Mestre Marcelo Florentino que faz aniversário na mesma data que eu (ou seria o contrário -27 de Outubro), e dizer que estou sentindo não só falta de seu olhar crítico sobre minha técnica, bem como daquele espírito de parar e repetir uma técnica quantas vezes necessário for para que atinjamos a perfeição. É com este espírito que volto aos treinamentos depois de mais uma lesão.

Anuncio ainda que uma empresa especializada em website e design pertencente a um de meus alunos está em avançado desenvolvimento de nosso novo portal, que terá formato de blog e englobará o conteúdo deste sítio e de meu antigo website, com um domínio supreendentemente facíl de gravar, e que possibilitará ás pessoas verem vídeos feitos por nós, ver meu nível técnico e tirar suas próprias conclusões. Totalmente interativo, o novo site possibilitará que as pessoas tirem dúvidas e seja um ponto de encontro para que discutamos a técnica do Wing Chun propriamente dita e sua aplicação em luta efetiva, que é justamente o que falta nos fóruns do gênero. O forte não está na parte visual, mas em sua utilização prática pelo usuário, em especial o leigo. Talvez agrade pouco devido à forte característica filosófica atual da arte - o que até certo ponto é ótimo, mas nosso destino é fazer vanguarda, ainda que para uns poucos, então estamos no lucro!

Abraço,
SiFu Marcos.



quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Livro Kung Fu Wing Chun na Bienal do livro da Bahia.

Olá, amigos,

Muita gente ainda me procura via e-mail pedindo cópias o Kung Fu Wing Chun - A Arte Marcial Treinada por Bruce Lee, lançado pela Editora Escala em 2009. O livro foi um sucesso e por isso é relançado constantemente, embora com distribuição irregular pelo Brasil. Por uma questão contratual nem eu nem os demais autores, o grande orientalista e escritor baiano José Augusto Maciel Torres e o Mestre de Wing Chun e terapeuta Holista Alberto França Gomes, temos pouco acesso a detalhes sobre publicação mais do que aquelas informações prévias que nos foram passadas à época da primeira publicação, e o resto a gente vai deduzindo pela lógica, de acordo com o número de livros publicados por edição (em torno de quarenta mil exemplares) e os avisos de alunos e fãs que escrevem dizendo que compraram o livro em diferentes estados do Brasil, ou que não encontram, ou ainda que esgotaram poucas cópias que havia numa cidadezinha do interior país afora, um pequeno refugo mandado a Portugal e Espanha.

Pois bem, uma de minhas alunas achou e comprou cópias novas do livro na Bienal do Livro da Bahia, o que é bacana para meus alunos iniciantes, pois é difícil resumir uma arte marcial tão complexa (? opa, não era para dizer a mais simples das artes marciais?!!!) para o público leigo em meras 100 páginas. Pois minha aluna falou que o livro era fácil de ser lido e entendido, e que ela o leu de uma tacada só. Eu me limitei a dizer que cumpri meu objetivo, pois sei que é duríssimo pegar algo tão rico, enxugar toda uma teoria que tem um contexto numa visão de mundo totalmente diferente da nossa, e colocar tudo em praticamente 4 páginas (da página 15 a 19 você tem a teoria do Wing Chun segundo minha visão num resumo muito prático para um livro de banca), mas o grande barato foi romper com o "o mais simples e eficiente de todos os estilos de kung fu". Romper com o discurso de Pink & Cérebro "vamos dominar o mundo" do Wing Chun foi um divisor de água na divulgação da luta no Brasil e que bom que fui eu quem colocou isso no papel, pois estava de saco cheio dessa arrogância sem fundamento na técnica da arte propriamente dita. Wing Chun agora tem de ser vista como uma luta que tem uma especificidade, um momento histórico de criação, desenvolvimento até tornar-se o que é hoje.

Engraçado é que de vez em quando ligam perguntando onde está o Mestre Li Hon Ki, ou tirando satifação se esta é mesma uma obra autorizada por ele, ou ainda parabenizando o mesmo pelo ótimo texto escrito por ele.

Bem fica aí o link da Bienal para quem quiser tentar adquirir uma cópia por este meio:

http://www.bienaldolivrodabahia.com.br/


Abraço,
SiFu Marcos.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

LUK DIM BOON KWUN - O Bastão Longo e sua influência técnica no Wing Chun

Por SiFu Marcos Abreu

HISTÓRIA, DESCRIÇÃO E ENSINO


                                                       SiFu Dr. Vansembergues Alves demonstra o movimento Hiung Kwun Luk 
                                                       Dim Boon Kwun. Foto para o livro Kung Fu Wing Chun, Ed. Escala.


Conhecido no Brasil simplesmente como "Bastão Longo" o Luk Dim Boon Kwun é uma das duas armas que compõem as fases de treinamento do Wing Chun Kuen, junto a Baat Jam Dao (Faca de Oito cortes). Luk Dim Boon Kwun significa "Bastão de Seis Pontos e Meio" sendo seu nome uma referência ao número técnicas (pontos) e mais uma "meia técnica" que, pela contradição do nome, traz em si uma lição técnico-filosófica. Segundo o que Mestre Li Hon Ki, oitava geração de sucessores do nosso Phai (estilo), passou de precioso conhecimento das gerações que nos antecederam quando nos ensinou a confeccionar e, depois, manejar esta arma, trata-se originalmente de uma grande lança usada nas guerras logo na frente de batalha, possuindo no passado uma afiadíssima ponta metal. À medida que este conhecimento foi introduzido no templo Shaolin (Siu Lam) por guerreiros profissionais que buscavam abrigo no templo, os monges, proibidos por seu código de conduta de fazer alusão sequer a uma suposta intenção de matar outro ser humano, tiveram de retirar a ponta de metal original.

Entretanto, o próprio peso da arma, somado ao seu desenho (imagine uma espécie de taco de bilhar gigante, com uma extremidade de manejo de calibre maior que a da ponta, com flexibilidade suficiente apenas para não se partir facilmente) e ao grande comprimento que pode variar de 9 a 11 pés ingleses tornam um mínimo toque efetuado por parte de um expert algo potencialmente letal, o que faz pensar sobre a dificuldade de se associar boas intenções e preceitos religiosos com algo tão violento em sua essência original. É o paradoxo básico das artes marciais controlar os ímpetos agressivos e saber que com  a habilidade para matar vem a responsabilidade de preservar a vida. Contudo, não pode haver paradoxo na técnica efetiva, porque o seu inimigo não terá a mesma misericórdia. A técnica antes de qualquer coisa deve funcionar. Se for possível fazer isso sem machucar de morte o inimigo, tanto melhor, mas em se tratando de Luk Dim Boon Kwun... Muita gente escreve bobagens sobre uma letalidade superior às demais lutas quando fala das técnicas de mãos livres do Wing Chun, mas são de fato as armas,  mesmo adaptadas pelos monges para machucar menos, que continuam sendo o que há de mais arrasador dentro do sistema.

Como qualquer conhecimento saído dos meandros de um passado pouco formalmente documentado e passado oralmente de mestre para discípulo, uma certa fantasia, grau de estatus  e aura de segredo ainda compõem a idéia da prática dos conteúdos superiores do sistema, por serem a última coisa que se aprende antes de concluir o treinamento, e porque, pelo menos em tese, boa parte dos mestres reservaria estes conteúdos apenas para seus alunos favoritos, ou aqueles que conseguiram manter-se na escola por tempo suficiente para merecer aprende-los e, um dia, passa-los adiante, mantendo vivo o conhecimento completo do sistema.

                                            SiFu Marcos executa Tiu Kwun em boa postura em sua casa em Salvador.

A bem da verdade, e para este não ser apenas um mais um artigo hipócrita e positivo-moral-elitista como muitos outros que há por aí sobre os conteúdos reservados da luta, verdade seja dita: boa parte dos praticantes, inclusive acredito que infelizmente muitos que me lêem aqui não vai aprender estes conteúdos não porque não tenham grandes qualidades pessoais, bom nível de habilidade ou não sejam leais, mas porque existe uma tácita reserva de mercado que visa limitar a quantidade de mestres, já que Wing Chun é uma arte de curto aprendizado. Então não é de surpreender se você praticante faz parte de uma escola que está há anos e anos no país e não há uma só pessoa que conheça a fase superior do Wing Chun, ou haja uma discrepância muito grande entre o número de praticantes e aqueles sortudos que realmente foram até o fim.

Consagrada é a idéia de que as Facas de Oito Cortes são a última das seis fases de treinamento. De fato, se tomarmos apenas a similiridade técnica entre os contéudos e as fases de treinamento, Baat Jam Dao pode até ser a última técnica a ser aprendida, mas em algumas famílias como a minha, o pesado bastão é usualmente a última coisa a ser ensinada, por ser um conteúdo que difere um pouco do resto do sistema, embora o tenha influenciado definitivamente, como veremos mais adiante. É preciso um certo grau de força bruta para manejar uma arma tão grande, e a esta altura espera-se que o praticante que começou na adolescência já esteja forte o suficiente para isso. Numa família tradicional ou naquelas onde os pais são mestres de seus filhos porém, essa ordem pouco importa, podendo as armas serem treinadas até mesmo como parte do treinamento de mãos livres junto ao Boneco de Madeira. A divisão em fases de treinamento tem razões históricas que envolvem a facilitação do aprendizado, "graduação" por mérito, e, num passado distante, quando a arte saiu do templo e caiu na clandestinidade, proteger os praticantes - em sua grande maioria integrantes de sociedades secretas, sendo morte garantida a descoberta de suas atividades marciais - além de outras menos éticas como as mencionadas no parágrafo acima.

INFLUÊNCIAS DO BASTÃO NO WING CHUN

Luk Dim Boon Kwun tem uma característica peculiar que o distingue dos demais conteúdos do sistema por ter um conjunto de bases e movimentações que pouco mudou no decorrer das gerações. Enquanto a movimentação de facas e mãos livres foram se adaptando à movimentação mais curta e explosiva para efetuar fortes contra-ataques, o que acabou por mudar definitivamente o sistema de base, diferenciando-o visualmente de outros sistemas, o bastão longo do Wing Chun continuou mantendo boa parte das principais características de seu provável antecessor, o bastão longo do templo Shaolin, que pode ser visto em diferentes estilos de kung fu. Existe uma explicação muito simples do porquê disso ocorrer; o comprimento do bastão e, principalmente, o seu peso, somado à dificuldade de se simular um combate real simplesmente tornam difícil qualquer modificação no sistema de base, que acompanha o padrão original de Shaolin, que por seu turno tirou as suas principais bases da luta armada.

Por isso, é possível dizer que o bastão longo é uma conexão entre a técnica atual do sistema e a técnica original do templo Shaolin. Muitos outros estilos de wushu chinês possuem a mesma arma em seus currículos tem as mesmas "seis" técnicas de bastão que dão nome da forma no estilo de Yip Man, com poucas variações estilísticas; entretanto, Wing Chun tem uma técnica a mais, chamada curiosamente de "Meio Ponto", ou "Meia Técnica", que é um movimento curto que demonstra a capacidade de adaptação e improviso no "momento crítico da luta". Para aqueles que acreditam que o bastão foi incorporado ao sistema Wing Chun quando este já tinha as características atuais, esta é uma clara influencia do "wing chun" na técnica do bastão longo original de shaolin.

                                                           SiFu Marcos demonstra Puot Kwun na mudança para próximo movimento.

E qual seria então a influência de Luk Dim Boon Kwun no Wing Chun? A resposta mais óbvia tem haver com a "Teoria da Linha Central" que instrui o lutador de Wing Chun a usar sempre que possível linhas retas de ataque e, junto, cobrir-se defensivamente após um ataque que não tenha tido sucesso; a isso os mestres da luta comumente chamam de "recuperar a linha central" . Na luta real com o bastão, isso tem um motivo que pode ser a diferença entre a vida e a morte. Lutando em relativa segurança conferida pelo comprimento da arma, um movimento para o lado no momento errado pode ser a oportunidade para inimigo com outra arma longa conseguir um pequeno espaço para uma estocada mortal, ou a oportunidade para alguém com uma arma curta conseguir encurtar a distância do bastão o suficiente para torná-lo completamente inútil no corpo-a-corpo. Neste sentido, controlar a "linha" com o bastão siginfica ter as melhores oportunidades em um combate que pode ser decidido em poucos segundos.

NA LUTA DE MÃOS LIVRES

A segunda resposta, embora não menos óbvia, surpreendentemente não parece encontrar aplicação prática da luta do bastão para luta de mãos livres na maior das escolas de wing chun do ponto de vista de um repertório técnico específico. Esta-se a falar de adaptar a Teoria da Linha Central, o principal ponto de convergência entre os modus operandi bastão e punhos, para a luta com o corpo posicionado mais de lado  no mano-a-mano, o tipo de guarda mais usada em todos os sistemas de luta consagrados mundo afora.

                                                   SiFu Marcos demonstra Biu Kwun tal como aprendido com
                                                                    seu Sifu Li Hon Ki. Note a base comum a estilos oriundos do
                                                                    shaolin como Hung Gar, Tong Long e mesmo Karatê-Do.

                                                       Forrest demonstra Din Choi, adaptação de Biu Kwan para o boxe do Wing Chun.



No jogo do Bastão Longo você estará na maior parte do tempo com o corpo de lado para seu adversário, o que obrigatoriamente fará que a sua referência de linha central seja a menor distância entre você e um alvo válido em seu adversário. Na luta de mãos livres dois a dois, colocar o corpo de lado significa diminuir o espaço para o ataque do oponente, além de aumentar significativamente nosso alcance para o ataque. Por este motivo em nossa família tiramos das lições do bastão longo o soco Din Choi, que tem uma característica muito peculiar que é usar todo o peso do corpo para socar de lado com o máximo de potência, tornando este o soco mais pesado do Wing Chun no menor espaço possível. Pouca gente espera que um golpe desferido com a mão fronteiriça tenha peso o suficiente para machucar bastante, mas usando a força dos giros corporais e o exercício Din Choi - influenciado visivelmente por Luk Dim Boon Kwun e muito parecido com um famoso exercício básico Shaolin que supostamente deixara marcas de abaulamento no piso de pedra do templo, tal a força das pisadas dos monges ao longo dos séculos - o lutador de Wing Chun tem não apenas força para execução de golpes com o corpo de lado, mas também ganha alcance e distância de golpe impossíveis lutando apenas de frente, o que levou a nossa família ser apelidada de "Wing Chun do Caminho da Ponte Longa". O fato é que não há nenhuma invenção nisto, este é o mesmíssimo Wing Chun de Yip Man, e o apelido deve ser encarado como mais um característica dentre muitas possíveis de nosso sistema para diferentes situações de combate livre.

Na foto do parágrafo acima, note como é executado o Biu Kwun. Além da guarda pouco ortodoxa (na maior parte das escolas geralmente se usa mão mais forte à frente com o bastão), o braço direito levantado, embora exponha mais o lutador, confere mais força à estocada. Descontada a base, se você levar a movimentação dos braços para luta dois a dois, este será exatamente o mesmo jeito que o iniciante aprende a socar Din Choi - corpo totalmente de lado e tirando o máximo de força, para só depois aprender o modo menos exposto. É muito frequente em Wing Chun o praticante achar que não se deve usar força, mas numa luta em que você tem sempre metade da distância de luta dos estilos tradicionais (porque o lutador de wing chun prefere que o atacante esteja avançando forte para aplicar melhor sua técnica, o que reduzirá bastante o espaço), tirar força de todo movimento é algo imprescindível para o iniciante, já que partimos da idéia que nosso adversário é maior, mais alto, mais rápido e mais forte, ou tem vantagens de meio (arma) ou de número de parceiros na luta. O jeito de lutar com o corpo lateral na mecânica Tiu Kwun - Biu Kwun encontra equivalente no Gip Sao - Din Choi, o que possibilita ao praticante um alcance ofensivo que ele não teria levando em conta a interpretação radical da Teoria de Oposicão Frontal que prega que o lutador deve estar sempre de frente para seu adversário.

                                         SiFu Marcos demonstra Gip Sao com SiFu Florentino. Note a semelhança entre                  
                                                       esta posição de defesa e a base usada na segunda foto deste artigo. Seguido à defesa
                                                       vem um forte  Din Choi, com visto na foto abaixo.

                                                       Din Choi. Foto: alunos SiFu Marcos para o livro Kung Fu Wing Chun.



PARA QUE TREINAR UMA ARMA ANTIGA?

Bem, para aqueles que pensam no Wing Chun (ou pelo menos o compram assim, nada contra) unicamente como uma ferramenta de defesa pessoal - e realmente concordo que a especificidade da luta penda para algo mais semelhante a este termo em geral mal empregado - é óbvio que o Bastão Longo não é exatamente a arma mais prática para se levar na mochila,  como seriam as facas gêmeas (Baat Jam Dao), se é que você realmente acha normal andar com duas facas de açougueiro às costas, mas o treino com armas coloca seu senso de tempo e tomadas de decisões sob estresse em outro nível, mesmo que sejam empregados artifícios para suavizar o contato durante a prática, tornando a vivência desta fase de treinamento uma experiência fantástica de uma cultura física vigorosa e potencialmente letal.

É comum fazer o treino de bastão contra espadas e vice-versa. Quando você está com o Bastão Longo, tem de lutar para não desperdiçar energia, não se cansar e perder a posição para o avanço do adversário. Seus movimentos tem de ser precisos e você não tem uma segunda chance para se recuperar. Uma vez com as facas, o momento crítico é lograr com êxito o atacante com bastão que está confortavelmente distante para encurtar a distância e decidir a refrega. Com o bastão, buscar o máximo de eficácia com o menor gasto de energia significa mover-me não mais que o necessário e manter a mente focada em alcançar seu alvo. Perder um ângulo, desviar a arma um milímetro a mais pode significar morte certa. Por outro lado, manter a distância, cuidar dos ângulos e lutar com simplicidade podem fazê-lo um homem muito difícil de ser batido.

Outra coisa que se lê e ouve bastante no Wing Chun é que treinar com as armas deixa suas mãos semelhantes às mesmas. Isso não é tão verdadeiro porque as armas decidem mais rápido, enquanto numa luta equilibrada você pode ter de golpear repetidas vezes o adversário até surja o resultado desejado. Entretanto, conceitualmente falando, tanto a luta com armas como a de mãos livres contra um ou mais adversários seguem os mesmos conceitos como Bong (parar), Fuk (controlar), Tan (espalhar), dentre outros, e é justamente o exercício constante destes conceitos em diferentes situações que conferem ao Wing Chun o status de "sistema" e mantém coerência pratica de tal modo que, mesmo que numa situação limite você não tenha um bastão de 3,14m a seu alcance, um bastão mais curto pode reproduzir os mesmos golpes caso você domine o bastão longo, embora o contrário não seja tão fácil.

Assim como as demais estranhas formas (aos olhos leigos) do sistema Wing Chun são como manuais de instrução sobre a lógica da movimentação da luta, mais que a representação ou imitação imaginária da mesma, a forma Luk Dim Boon Kwan te mostra como defender seus ângulos vulneráveis usando a precisão como guia. Com o bastão, você se vê obrigado a ser totalmente objetivo, ecônomico em seu gasto de energia e usar seu senso de oportunidade para estocar e finalizar sem hesitar.

Estudar a arte de lutar com bastão dá a oportunidade de comparar as adaptações dos conceitos teóricos do Wing Chun aplicados a uma arma mais antiga e vice-versa, e isso lança uma luz sobre o flagrante desenvolvimento do sistema ao longo dos séculos, fortalece seu corpo, seu espírito e lhe dá orgulho (a quem fez o esforço para superar as barreiras culturais, étnicas, morais (imorais muitas vezes), financeiras e de mercado - nada pessoal às vezes é só negócio) de aprender uma técnica de combate que atravessou os séculos e perdurará ainda muito tempo, apesar de tudo.



domingo, 2 de outubro de 2011

Treino com Mestres Marcelo e Cleber em minha casa.

Passei o dia todo tentando escrever a segunda parte do artigo sobre Chi Sao Lap Sao aproveitando o fato de o mesmo ter sido mencionado de passagem numa das comunidades Wing Chun no orkut, mas a minha filha caçula, doentinha, deu-me um trabalho danado.

Qual a minha surpresa quando o Douglas deixou-me recado sobre a matéria da vinda de seu Mestre Marcelo Florentino à Salvador quando ele pôde ficar em minha casa durante o carnaval passado.

Treino com mestres Florentino e Cleber

Quando minha família morava no interior do Maranhão perto da antiga capital da pistolagem, Imperatriz, ninguém queria visitar-nos. Quando nos mudamos para Salvador todos por alguma razão misteriosa queriam nos visitar sem mais delongas alegando distância, saudade etc.Hum-hum, ah, tá.

De forma que conheci Marcelo o suficiente na China para saber que o cara é de treino, mas quando alguém vem em sua casa no verão, em pleno carnaval, até Senhor do Bonfim desconfia, e qual a minha surpresa quando o Marcelo não demonstrou nenhum interesse em conhecer a Soterópolis, mas em treinar uma média de 6 horas dia, reproduzindo o seminário em Foshan suficientemente citado neste blog.

Eu estava fora de forma e vindo de uma séria lesão na virilha, mas aquele treinamento foi o empurrão que eu precisa para passar por cima de problemas pessoais e voltar a treinar forte. Meu muitíssimo obrigado a meus irmãos wing chun que treinaram comigo neste período, e uma menção especial ao Cleber Dominges (o Marcelo é famoso, conhecidíssimo, logo tá saindo vereador na Zona Leste) que para mim é o maior mestre de Louva-a-Deus do Brasil e representante de Mestre Li Hon Ki no Wing Chun e Hung Gar, este último no qual dentro em pouco corro o risco a dizer que certamente estará tecnicamente igual ou à frente de seus colegas, dado o absurdo de talento que este rapaz tem. Fica aqui o apelo para que ele poste no youtube as formas com ou sem armas, lutas e as lutas do seu irmão Leandro Domingues. A família Domingues - anotem aí - está para o kung fu tradicional como estão os Machida para o Karatê-Do Shotokan, e quando os brasileiros descobrirem esses caras eles simplesmente vão ficar difíceis para se marcar um treino.

Eu detesto fazer fotos e imagens, mas agora o leite e o remédio de minhas pequenas passa pelo marketing pessoal, de forma que quem nunca me viu movimentar mais que a teoria e falatório nos textos dos fóruns pode ver o ancient dando 15 segundos de porrada nos aparadores, e vou fazer só um pouquinho melhor que isso e mostrar que o meu Wing Chun "de playground" - como está sendo carinhosamente chamado na Bahia por quem acha que é necessario sair de Salvador para treinar Wing Chun em alto nível em outro lugar do Brasil-  foi e é usado no "underground" com sucesso.



Neste treinamento todo mundo se ajudou eu particularmente me senti lisonjeado com a presença dos meus irmãos, gritando, incentivando, dando palpite durante uma semana duríssima de treinamento que foi feito com muita dor, machucados e, por isso mesmo, insistência e perseverança. Fica aí o projeto para o reencontro no começo do ano que vem quando treinaremos juntos novamente para fortalecer no nosso Wing Chun e os laços fraternos que advém da compreensão mais profunda da arte dentro da luta.

Abraço,
Sifu Marcos.


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Pisa na cabeça - uma rápida reflexão sobre o papel do mestre de artes marciais.

Eu felicíssimo aqui porque depois de uma forte gripe que me deixou duas semanas sem treinar direito, sentindo dores horríveis, consegui treinar bem hoje com meus alunos, contra todos os prognósticos negativos. Eu estou umas 36 horas sem dormir por questões pessoais. Achei que não ia chegar a tempo de ministrar minha aula esta noite, que os caras estariam putos comigo. Eu já saía atrasado quando vi um carro virando à esquerda enquanto um motociclista tentava ultrapassá-lo pelo mesmo lado e a batida inevitável,  baixa velocidade e eu pensei que era só um arranhão quando o rapaz ficou imóvel, pendurado como que jogado para cima, entre sua moto e o carro. Corri como um doido até chegar até ele, e na falta de gente com mais força, vamos "nóis" que somos da boa vizinhança, bons moços caricaturais, previsíveis, pois topamos empurrar carro velho, trocar botijão de gás e atravessar velhinhas para o outro lado da rua e outros bons mocismos.

Acidentes de moto são comuns naquele cruzamento, vi um igual poucos meses antes, os motoristas nunca dão a seta, os motoqueiros sempre tentam ultrapassar partindo de um ponto cego, e todos são culpados.
Bem, o rapaz acordou, eu o retirei da moto, formou-se aquele círculo, apenas umas escoriações na perna e braço direitos, e o cara imprecava que não queria ficar deitado até a chegada do socorro, que tinha de ir ao trabalho, que não podia ter caído da merda da moto, etc., ou seja, ele tava ótimo, enquanto eu checava a chegada da ambulância, maldito curso de socorrista. E os garotos a me esperar no Mo Gwun*.

Eis que passa o rapaz de que citei de passagem outro dia, o instrutor de Krav Maga para quem o negócio é "matar", quando fui assistir ao treino doutra feita, porque a idéia do Krav Maga é semelhante ao Wing Chun em sua especificidade, e não por acaso seus golpes se parecem tanto, e mais ainda com os de nossa família especificamente, a ponto de suscitar desconforto bobo a semelhança, porque o Wing Chun mais antigo. Eu realmente não sei se ele passou direto porque intuiu que estava tudo bem, ou simplesmente achou que não era com ele, ou ainda estava tão distraído que não percebeu nada e achou que aquilo era roda de pagode.O caso é que caso ele tenha percebido, ainda que tenha visto que o rapaz não ia morrer, ele foi extremamente ingênuo sobre o papel de um professor numa comunidade local.

Ora, estávamos na avenida mais cara de Salvador e nela você não aprende a matar com os dublês de soldados do oriente médio por muito menos de 180 reais por mês, embora o único cara que eu vi de passagem, quase despercebido nas sandálias de tira se não fosse o tamanho, nessa avenida ultimamente foi o Júnior Cigano; esse se disser que mata, eu acredito.

O papel de um cara que sabia artes marciais no passado era muito mais amplo do que hoje. A medicina oriental se desenvolveu passo a passo com as artes marciais. O mestre era também o médico, o conselheiro, o educador infantil. Até hoje, as pessoas esperam dele não apenas a técnica, mas o exemplo. Mesmo nessa avenida, tão movimentada existe o microcosmo comezinho derredor: o cara da lanchonete, os porteiros dos edifícios, os professores da escola infantil. Todos se conhecem, se falam, e estão constantemente dividindo suas vidas uns com os outros, como fiz com o segurança que eu achava antipático sem nenhum motivo particular até conhecê-lo - pra valer- hoje, organizando o trânsito e protegendo o acidentado comigo para que não fosse saqueado. Ou o cara da pizzaria que guardou a moto do rapaz na garagem da clínica em frente e acalmava a namorada do cidadão, que estava aos prantos. Todas estas pessoas são formadoras de opinião, e se pararmos para pensar de forma mais ampla, são elas de fato que definem, pra sociedade, não para o status quo, não a faixa na cintura ou a franquia comercial da academia, quem de fato é o mestre.

Lembrei-me daquele dizer do Código de Conduta do Wing Chun de meu SitaiGung Yip Man** sobre usar seu conhecimento marcial para servir a sociedade e ajudar o mais o fraco. Mas em que foi que a técnica me ajudou? Provavelmente nada. Gastei 15 contos de taxi até a academia, e ainda me roubaram a revistinha em inglês que eu deixara junto ao poste com um dicionário na hora da correria. Tivessem levado o dicionário, o ato em si já teria sido uma medida sócio-educativa, porque o oportunista teria aprendido algo novo sobre o idioma gringo. Ahhh, o ladrão é bilíngue! Eu não tinha pensado nessa possibilidade, rapá...

Mas eu fiz o que achei que era certo, senti-me bem pra caramba com isso, e surpreendentemente foi tudo certo no treinamento, mesmo com o torpor do sono. Pena que o rapaz que mata não parou e perguntou pelo menos o que estava acontecendo e se estava tudo bem. Talvez não fosse da conta dele, mas com uma academia há poucos metros do local, não consigo deixar de pensar que a faixa que ele ostenta nos treinos o obrigava a estar ali, pelo menos para mostrar que temos uma responsabilidade, que temos valores e que, sim, isso importa, que se não importasse seria ao menos o nosso dever dar o exemplo. Se fosse para acabar de matar o rapaz tava lá para pisar na cabeça...com todos os diabos!


_____________________________________________________________________________
*Mo Gwun: lit. Ginásio Militar (marcial) em cantonês.
** Yip Man (1893-1972): Patriarca do sistema Wing Chun em Hong Kong durante a segunda metade do séc. XX, famoso por ter sido mestre de Bruce Lee. SiTaiGung (Mestre-Bisavô na cultura do kung fu) se refere posição genealógica do Patriarca em relação ao autor. N.A.







quarta-feira, 27 de julho de 2011

Sobre o trailer de THE GRANDMASTERS

Saiu a apresentação de The Grandmasters, o quarto filme dos últimos recentes que exploram a vida de Mestre Yip Man, o homem responsável por tirar o Wing Chun do submundo das brigas de rua e de luta praticada nas tríades mafiosas para as altas rodas da sociedade de Hong Kong. Yip Man também foi o mestre de Bruce Lee, o superastro oriental que projetou o kung fu das telas de cinema para o imaginário popular, tornando-o uma das artes marciais mais praticadas do mundo.

The Grandmasters - Trailer



O primeiro filme com Donnie Yen no papel principal foi um sucesso em todo o mundo, com uma fotografia, coreografia, música e cenas de lutas impecáveis. Graças ao primeiro filme os professores de Wing Chun, que desceram de classe social desde o surgimento do UFC e com ele a queda do discurso ufanista em torno da arte que em tese derrota tudo e todos em segundos, estão voltando a ganhar a dinheiro com a conversa do mestre pacato que é capaz de derrotar dez faixa-preta japoneses de uma só vez, o que talvez nem Chuck Norris no auge de seus poderes divinos faria sem suar (mas só um pouquinho).

Foi precisamente este exagero, típico dos filmes chineses de entretenimento, o calcanhar de Aquiles do filme que tanto irritou as (poucas) pessoas que têm uma visão mais realista da luta. O filme ficou perfeito para a divulgação, mas ficou devendo em termos de fidedignidade, tanto para a trajetória real do Patriarca quanto para a realidade de aplicação da luta, por mais que um filme de ação usualmente tenha cenas de luta mirabolantes.

Os leitores deste blog que leram os textos sobre nossa ida à China sabem o que a maioria das pessoas de nosso clã acharam do filme. Pois bem, qual foi a minha surpresa quando eu soube que meu Sibak (Tio-mais-velho no kung fu) Josh Shawn - vide texto de sua autoria neste blog -  estava de vôo marcado para voltar à China, desta vez para ajudar seu Sifu Duncan Leung, primeiro discipulo privativo de Yip Man a treinar o ator principal desta continuação, Tony Leung, que não tinha qualquer conhecimento prévio de Wing Chun Kuen. Era a nossa chance de mostrar um pouco da técnica para o mundo, tornando um pouco mais crível a técnica marcial propriamente dita. Passaríamos de meros criticos a criticados, e eu particularmente sou do time do "fale mal, mas fale de mim".

Na sua volta para a os USA, Josh em sua última conversa comigo sobre o assunto estava meio descrente e em dúvida se o filme - fazendo de conta que é possível deixar de lado o fato de ser um projeto que visa e lucro que envolve uma série de políticas, jogo de forças e interesses diversos - apresentaria algo de relevante sobre a técnicade Yip Man voltada para o combate livre, que foi o precisamente o foco de Duncan quando ele começou a lutar nas ruas de Hong Kong 56 anos atrás.

Vendo o trailer, destarte a nojeira de termos novamente a mesma dezenas de figurantes dispostos a apanhar do mocinho do filme, o ator Tony Leung, vestido meio que metade Yip Man de saias, metade Michael Jackson com um chapéu à la Moonwalker e um olhar ator canastrão anos 50, embora com menos candura que Yen, é possível identificar em alguns momentos a presença clara da técnica de nossa escola na movimentação do ator. A ambientação escura da luta do clipe numa noite de chuva dá uma ótima primeira impressão de ser um filme mais sombrio e sério que os anteriores.

Logo nos primeiros movimentos vemos um bom chute frontal típico de Wing Chun com uso da articulação coxo-femural (como a Benção da Capoeira), e a aplicação de Soh Gerk, um chute circular fortíssimo inimaginável nos filmes anteriores como técnica de Wing Chun, visto que por ser uma escola calcada por golpes em linha, a maior parte das pessoas saibam sequer que este golpe exista na luta. Um outro bom momento é uma técnica difícil de se identificar por leigos, quando um dos figurantes chuta Yip Man no rosto, e o mesmo pega o pé de apoio com o chute lateral Deng Gerk, e mesmo que a técnica não seja exatamente como é feita no treinamento, é totalmente fiel a idéia da arte, de que se você me ataca na cabeça, eu evito o seu golpe e te machuco as pernas, e vice-versa. O último golpe pareceu-me um Kan Da, com o posicionamento da mão típico de quem realmente a mão para golpear na real, com o pulso um mais virado na diagonal para facilitar o encaixe do golpe.

Como fã que gostou do primeiro filme por achar que a história de Yip Man merecia ser contada, mesmo como homenagem destituida de realidade marcial, e detestou as continuações, ver que pessoas que conheci pessoalmente (faltou mencionar Alan Lee e Darren Leung, respectivamente último discípulo de Yip Man e o filho de Duncan, que é ator de cinema) e que admiro e respeito ajudaram de alguma forma a trazer para tela nossa arte me dá orgulho, seja lá qual for o resultado. Se o filme inteiro honrar o trailer, não terá sido de todo ruim, nem o esforço da família Wing Chun em vão.

domingo, 17 de julho de 2011

ESCOLA DE WING CHUN SEM ERRO

Enquanto não sai a segunda parte do artigo sobre Chi Sao e Lap Sao, reproduzo aqui meu primeiro artigo autoral no orkut. Na época eu escrevia sob pseudônimo na comunidade Wing Chun Kung Fu. O texto é algo cru devido ao pouco espaço entre os tópicos. Contudo, acho interessante colocá-lo aqui porque acho que é um texto útil ao público leigo, que sempre foi alvo de meus escritos, a fim de criar uma visão diferente daquela que é passada junto à luta desde que ela chegou ao Brasil. Caso algum leitor tenha alguma dúvida sobre o texto original, digite sua crítica ou pergunta e responderei. Boa leitura.


Escola de Wing Chun sem erro

Desde a chegada do oficial* do Wing Chun ao Brasil em 1979, já se foram quase trinta anos. De lá pra cá muitas ramificações de nossa arte chegaram ao Brasil. A grande popularidade dos filmes de kung fu, e a aura de mistério e segredo que permeiam as artes marciais chinesas são um prato cheio para muitos falsários, que tornaram proporcionalmente Wing Chun a luta mais clonada do país.

Este tópico dá algumas pistas de que você está visitando uma autêntica escola de Wing Chun,
E outras de que você se meteu numa roubada.

SITUAÇÕES:

1. Termos japoneses e afins – Wing Chun é uma arte marcial chinesa. Se o sujeito que pretende te ensinar usa termos japoneses para descrever graduação, local de treinamento, etc. ele, no mínimo, não tem conhecimento teórico do que ensina. Bons instrutores qualificados e Mestres (pouquíssimos no Brasil, ainda) têm uma boa noção de cultura oriental e conhecem muito mais que os termos básicos de suas artes. Se ele demorar em te responder: O que é Tan Sao?
Pak Sao? Yat Ji Jung Choi? Siginfica que ele não teve o menor interesse em saber nem o básico.

2. Aula em academia de ginástica – A prática do Wing Chun envolve não apenas treino físico (que exige equipamentos específicos), mas projeta seus princípios para a convivência e conduta marcial entre os seus praticantes - que formam uma Família-kung fu - e a sociedade. Se for uma aula entre uma barulhenta aula de swing baiano e outra de Jump, três vezes por semana, que ambiente você tem para isso?

3. Discurso – Os movimentos de Wing Chun não imitam os movimentos de animais, por isso é um estilo de kung fu muito prático. Contudo, isto tem servido como pretexto para professores quererem afirmar que o Wing Chun é melhor que outros estilos ou lutas. Esta postura arrogante não faz parte do Wing Chun, que está embasado técnica e moralmente em filosofias ordeiras como o budismo. A melhor expressão do Wing Chun na luta é contra-ofensiva e se presta a situações de perigo extremo.

4. Treinamento de luta – Os praticantes de Wing chun têm por hábito falar da simplicidade e eficiência da arte, mas a maior parte das escolas não coloca seus alunos para combater. Isso é o mesmo que ensinar a nadar no deserto. O equipamento protetor e golpes baixos característicos geralmente são usados como desculpa, contudo, com boa vontade e alguns ajustes é possível aproximar-se muito da aplicação real.

5. Origem – Se pergunta ao professor onde ele aprendeu Wing Chun e ele te diz: - Fulano de tal, pergunte quem ensinou Fulano, e assim sucessivamente até chegar ao fundador (a) do Sistema; A Genealogia é a garantia do que você aprendeu tem relação direta com a Origem do sistema, e um professor que respeita a ancestralidade terá seus nomes na ponta da língua. A partir da daí, você tem condições de verificar detalhes pela internet. Caso ele venha com respostas vagas, ou mude de assunto, é bem provável que você esteja lidando com um impostor.

6. Cursos rápidos para Instrutores – Wing Chun é provavelmente uma das artes marciais mais rápidas para se aprender e concluir o treinamento básico de mãos livres. Contudo, seus conceitos subjetivos levam muito em conta a experiência individual do praticante, e levam-se muitos anos para amadurecer o suficiente para ensiná-la. Desconfie de cursos que levam em conta apenas o rendimento físico, ou o domínio da técnica de luta, Wing Chun não é esporte, nem mera defesa pessoal, embora possa ser praticado individualmente com essa finalidade - Vide tópico dois.

7. Referências a Bruce Lee – Este astro dos filmes de kung fu foi sem dúvida o mais famoso dos alunos de Yip Man, e o grande responsável pela popularização do Wing Chun e do Kung Fu fora da China. Sua visão realista e sem floreio das artes marciais e sua expressão física – Jeet Kune Do – o tornaram eterno. Contudo, se o professor se refere a Bruce como mestre supremo, se seus alunos imitam os movimentos e os gritinhos dos filmes, saia de fininho de lá. Bruce Lee, destarte toda a sua habilidade, nunca concluiu seu treinamento em Wing Chun. A sua aura de invencibilidade é criação da imprensa, e serve de prato cheio a mestres de meia-tigela, que passam uma visão fantasiosa do kung fu.

Bem, acho que é isso. Quero advertir, pórem que esta é uma visão muito pessoal do assunto, dados os últimos tópicos da comunidade, e não representa nada mais que isso.

Um abraço.

*Refiro-me no texto (àquela época para evitar discussões no site) à chegada de meu Sifu Li Hon Ki, membro da Hong Kong Ving Tsun Athletic Association e Yip Man Art Martial Association, ao Brasil. Hoje é tido como consenso entre os principais mestres como o introdutor do sistema Wing Chun no Brasil Sifu Thomas Lo, discípulo de Greco Wong em 1969. Outros defendem que Li Wing Kay, irmão de Li Hon Ki, foi quem apresentou o estilo publicamente pela primeira vez em 1971. Mas certamente quem difundiu o luta para todo o Brasil em larga escala foi o escritor Marco Natali, que aprendeu o sistema com um Mestre da malásia de nome See Tiong Fo. Nota do autor.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

CHI SAO/LAP SAO NÃO TE PREPARA PARA A LUTA. Aprenda a usar melhor essas ferramentas sem as superestimar.

PRÓLOGO

Estava lembrando dos parceiros mais habilidosos na prática do Chi Sao por essas bandas antes começar a as chatissimas (de se botar no papel) nuances técnicas do Chi Sao e Lap Sao. Vira e mexe algum mestre me escreve falando de como descobriu algo e fascinante durante a prática. Não duvido. O Chi Sao especificamente é um exercício que qualquer pessoa deveria fazer alguns minutos por dia, talvez no lugar de palavras cruzadas ou das iguamente chatissímas meditações sentadas de todas as variantes do budismo.

Isso porque o Chi Sao é de fato um exercício mental elaboradíssimo e que é surpreendentemente divertido depois que você domina as posições básicas, e que - se não tivesse função técnica alguma dentro do sistema Wing Chun - poderia ser praticado apenas por sua capacidade de manter a mente focada no jogo de tocar o outro e não ser tocado, onde quem "bate" no outro sem machucá-lo está no ápice do poder marcial, a humilhação suprema da técnica que se afirma na superação silenciosa do parceiro, quando a discrepância no nível de habilidade é grande. Entre estes dois objetivos, armadilhas, truques diversos, posições são alternadas numa brincadeira que tem regras e posições que de forma lúdica fazem com que a maneira mais eficiente de vencer essa "luta" seja uma a mistura de atenção, logro, paciencia e objetividade, dentro dos princípios da luta: linhas retas de ataque, cobertura de áreas desprotegidas, uso das cunhas triangulares para a defesa e ataque simultâneos etc.

Mas eu falava de meus amigos e parceiros de treino. Tenho muitos irmãos kung fu, mas eu tinha dois parceiros de Chi Sao - Lap Sao muito bons: O Nelson Santana, que foi a São Paulo, tornou-se campeão brasileiro de kung fu e hoje treina Jiu-Jitsu e boxe em São Paulo nas horas vagas, e o Alex Crispim, ex-campeão baiano peso-pesado de kung fu, que depois de nocautear o campeão sulamericano de Kickboxe com um Din Choi achou que podia podia fazer melhor se realmente fosse tentar fazer isso com os golpes certos... mas o caso é que o único cara realmente bom no Brasil que conheço é o Marcelo Florentino, o aluno mais velho de meu Sifu Li Hon Ki e que tem uma grande escola em São Paulo...e o cara está a dois mil kilômetros de distância, e vai me fazer pegar uma promoção dessas tipo ponte área RJ-SP 50 reais a passagem - via Boa Vista, São Luís e Natal para poder treinar em alto nível novamente.

Eu não estava vendo nada senão contar vantagem no parágrafo acima às custas das habilidades e feitos de meus amigos, mas isso me fez lembrar de algo muito importante que vai nos fazer entrar no assunto de uma vez. Caras como os que citei, bons de briga, todos são bons no Chi Sao/Lap Sao, mas nem sempre o contrário é verdadeiro, existem muitos caras bons de Chi Sao que nunca serão bons em luta de verdade, pelo menos não até praticarem outra coisa para fazê-los ir bem no cambate. Isso porque quem é bom no combate real também o é no simbólico, mas quem só tem experiência em mimetizar o combate não faz idéia da dificuldade que é quando não existem regras e posições pré-estabelecidas, nem o quanto de sangue frio é preciso para recuperar o controle emocional enquanto o outro cara te amassa sem piedade.

ANTES DE GRUDAR OS BRAÇOS

A primeira coisa que o praticante deve ter em mente antes de fazer coisa em Wing Chun é se perguntar: - Por que estou fazendo isso? Qual o objetivo deste exercício (base, forma, soco, chute etc.). Isso porque o Wing Chun é a luta dos mestres super sábios que te mandam fazer as coisas sem maiores explicações, e um dia algum insight divino, tal qual Bruce Leroy em The Last Dragon, vai baixar e você irá descobrir o grande Mestre. Aqui no Brasil há uma briga para saber quem é o melhor. O termômetro é número de revistas, livros e entrevistas cedidas á televisão. E se você tiver de usar o que aprendeu, você pergunte a seu adversário, olha você sabe quem é o meu mestre?

Chi Sao e Lap Sao são ferramentas que desenvolvem habilidades específicas. No Chi Sao (Colar os Braços) você precisa de um pré-requisito que é o contato com o adversário braço no braço (ou perna na perna, no caso do Chi Gerk). Da mesma forma que você pode fazer um "rola" de Jiu-jitsu com os olhos vendados, o mesmo vale para o Chi Sao no Wing Chun. No Lap Sao, você tenta sair de uma situação de contato que não te permite golpear o adversário para tirar, puxar, imobilizar o(s) braço(s) para pelo menos uma das mãos fique solta em boas condições para fazer um golpe válido ou preparar um golpe de perna ou varredura.

Mas há um problema aí. No Chi Sao, as posições são combinadas. As defesas funcionam bem com golpes de Wing Chun à curta distãncia, mas é inocente e pueril imaginar que elas funcionarão exatamente da mesma forma contra golpes de outras artes marciais - já que o Wing Chun é uma arte com soco e chutes e defesas muito peculiares - e ainda mais sem aquele contato inicial que facilita tanto a vida da gente. O Bong Sao, por exemplo, pode parar um soco em curso numa distância curta contra o soco vertical do Wing Chun, mas é totalmente ineficiente num soco horizontal se feito da forma clássica.

O Lap Sao (Puxar Braços) é o chinês para um termo sofisticadissimo, sempre super badalado entre os jeet-kunzeiros, chamado "Trapping Hands", que seria algo como "fazer armadilhas com as mãos" "mãos em armadilha" etc. Eu traduziria para o pejorativo "truques com as mãos" porque você vendo os caras fazerem isso tudo parece muito bonito, como quando a gente vê alguém fazendo malabarismos com cartas. Lap Sao é uma boa ferramenta quando está difícil passar a guarda do adversário, então podemos afastar um pouco o braço e bater no espaço artificialmente criado, mas achar que você vai "amarrar" os braços do oponente como se dá um nó nos próprios cadarços é coisa de quem vê filmes e faz Chi Sao em demasia. Entretanto, não custa nada ter dois ou três combinações no seu repertório, porque em tese você conta com a ignorância de seu oponente. Neste caso, o problema, além daqueles mesmo já encontrados no Chi Sao, é que se você demora demais segurando o braço do cidadão (isso SE você conseguir segurar no calor do combate) ele terá exatamente a mesma chance de bater que você tem, porque tanto você quanto seu oponente terão um braço colado e o outro solto, e que vença o melhor.

As situações estilizadas encontradas no Chi Sao/Lap Sao não tornam ninguém bom em luta especificamente. Mas então para que servem os exercícios? Será o caso de abandoná-los? Não, certamente a solução passa longe disso.

Continua...

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Entrevista com SiFu Marcos no Blog do Dido.

Saiu uma entrevista que fiz para o blog do Dido: http://blogdodido-dido.blogspot.com/

Na noite em que respondi as perguntas do entrevistador eu estava um caco, exatamente como estou hoje, cansado de noites seguidas sem dormir por conta da chegada de minha segunda filha, Luiza. Por isso me surpreendeu a repercussão da matéria entre meus amigos de viagem nesta jornada eterna pelo sistema Wing Chun.

Acho que o ponto forte lá é descrição que fiz dos pontos fortes e características do Wing Chun de Sigung Duncan Leung. O que faltou falar é que na escola de Sigung há um pragmatismo nada chinês dentro da arte marcial chinesa onde as técnicas são montadas como num brinquedo Lego ou algo do tipo, de acordo com as teorias do sistema e a necessidade de uma determinada resposta na luta. A idéia chinesa em si é fantástica. O modus operandi da aplicação prática é que pode ficar subjetiva demais e ser uma desculpa para treinar algo que não tem paralelo na realidade do combate livre.

As bases são rigidamente corrigidas, há exigência na correção de ângulos e posturas, é muito parecido com o jeito japonês, você procura tirar mais força do movimento, é algo que já fica meio distante do jeito do mestre chinês que vem, dá uma uma olhadela em você, diz para você continuar repetindo até encontrar o "insight" mágico, que o jeito dele não é legal e você tem de encontrar o seu próprio antes mesmo de você ver o dele um número suficiente de vezes, porque a preguiça dele foi convenientemente usada como argumento. Viva o jeito japonês de fazer arte marcial chinesa. Funciona.

.

Destrinchando o Muk Yam Jong, o boneco de madeira do Wing Chun, em uma análise de caso. Parte II

Pois é, assim como o personagem do game Tekken, Mukujin ( 木人) lit. Pessoa de Madeira, Uma corruptela de seu alter ego, Muk Yan Jong ( 木人...