quarta-feira, 27 de julho de 2011

Sobre o trailer de THE GRANDMASTERS

Saiu a apresentação de The Grandmasters, o quarto filme dos últimos recentes que exploram a vida de Mestre Yip Man, o homem responsável por tirar o Wing Chun do submundo das brigas de rua e de luta praticada nas tríades mafiosas para as altas rodas da sociedade de Hong Kong. Yip Man também foi o mestre de Bruce Lee, o superastro oriental que projetou o kung fu das telas de cinema para o imaginário popular, tornando-o uma das artes marciais mais praticadas do mundo.

The Grandmasters - Trailer



O primeiro filme com Donnie Yen no papel principal foi um sucesso em todo o mundo, com uma fotografia, coreografia, música e cenas de lutas impecáveis. Graças ao primeiro filme os professores de Wing Chun, que desceram de classe social desde o surgimento do UFC e com ele a queda do discurso ufanista em torno da arte que em tese derrota tudo e todos em segundos, estão voltando a ganhar a dinheiro com a conversa do mestre pacato que é capaz de derrotar dez faixa-preta japoneses de uma só vez, o que talvez nem Chuck Norris no auge de seus poderes divinos faria sem suar (mas só um pouquinho).

Foi precisamente este exagero, típico dos filmes chineses de entretenimento, o calcanhar de Aquiles do filme que tanto irritou as (poucas) pessoas que têm uma visão mais realista da luta. O filme ficou perfeito para a divulgação, mas ficou devendo em termos de fidedignidade, tanto para a trajetória real do Patriarca quanto para a realidade de aplicação da luta, por mais que um filme de ação usualmente tenha cenas de luta mirabolantes.

Os leitores deste blog que leram os textos sobre nossa ida à China sabem o que a maioria das pessoas de nosso clã acharam do filme. Pois bem, qual foi a minha surpresa quando eu soube que meu Sibak (Tio-mais-velho no kung fu) Josh Shawn - vide texto de sua autoria neste blog -  estava de vôo marcado para voltar à China, desta vez para ajudar seu Sifu Duncan Leung, primeiro discipulo privativo de Yip Man a treinar o ator principal desta continuação, Tony Leung, que não tinha qualquer conhecimento prévio de Wing Chun Kuen. Era a nossa chance de mostrar um pouco da técnica para o mundo, tornando um pouco mais crível a técnica marcial propriamente dita. Passaríamos de meros criticos a criticados, e eu particularmente sou do time do "fale mal, mas fale de mim".

Na sua volta para a os USA, Josh em sua última conversa comigo sobre o assunto estava meio descrente e em dúvida se o filme - fazendo de conta que é possível deixar de lado o fato de ser um projeto que visa e lucro que envolve uma série de políticas, jogo de forças e interesses diversos - apresentaria algo de relevante sobre a técnicade Yip Man voltada para o combate livre, que foi o precisamente o foco de Duncan quando ele começou a lutar nas ruas de Hong Kong 56 anos atrás.

Vendo o trailer, destarte a nojeira de termos novamente a mesma dezenas de figurantes dispostos a apanhar do mocinho do filme, o ator Tony Leung, vestido meio que metade Yip Man de saias, metade Michael Jackson com um chapéu à la Moonwalker e um olhar ator canastrão anos 50, embora com menos candura que Yen, é possível identificar em alguns momentos a presença clara da técnica de nossa escola na movimentação do ator. A ambientação escura da luta do clipe numa noite de chuva dá uma ótima primeira impressão de ser um filme mais sombrio e sério que os anteriores.

Logo nos primeiros movimentos vemos um bom chute frontal típico de Wing Chun com uso da articulação coxo-femural (como a Benção da Capoeira), e a aplicação de Soh Gerk, um chute circular fortíssimo inimaginável nos filmes anteriores como técnica de Wing Chun, visto que por ser uma escola calcada por golpes em linha, a maior parte das pessoas saibam sequer que este golpe exista na luta. Um outro bom momento é uma técnica difícil de se identificar por leigos, quando um dos figurantes chuta Yip Man no rosto, e o mesmo pega o pé de apoio com o chute lateral Deng Gerk, e mesmo que a técnica não seja exatamente como é feita no treinamento, é totalmente fiel a idéia da arte, de que se você me ataca na cabeça, eu evito o seu golpe e te machuco as pernas, e vice-versa. O último golpe pareceu-me um Kan Da, com o posicionamento da mão típico de quem realmente a mão para golpear na real, com o pulso um mais virado na diagonal para facilitar o encaixe do golpe.

Como fã que gostou do primeiro filme por achar que a história de Yip Man merecia ser contada, mesmo como homenagem destituida de realidade marcial, e detestou as continuações, ver que pessoas que conheci pessoalmente (faltou mencionar Alan Lee e Darren Leung, respectivamente último discípulo de Yip Man e o filho de Duncan, que é ator de cinema) e que admiro e respeito ajudaram de alguma forma a trazer para tela nossa arte me dá orgulho, seja lá qual for o resultado. Se o filme inteiro honrar o trailer, não terá sido de todo ruim, nem o esforço da família Wing Chun em vão.

domingo, 17 de julho de 2011

ESCOLA DE WING CHUN SEM ERRO

Enquanto não sai a segunda parte do artigo sobre Chi Sao e Lap Sao, reproduzo aqui meu primeiro artigo autoral no orkut. Na época eu escrevia sob pseudônimo na comunidade Wing Chun Kung Fu. O texto é algo cru devido ao pouco espaço entre os tópicos. Contudo, acho interessante colocá-lo aqui porque acho que é um texto útil ao público leigo, que sempre foi alvo de meus escritos, a fim de criar uma visão diferente daquela que é passada junto à luta desde que ela chegou ao Brasil. Caso algum leitor tenha alguma dúvida sobre o texto original, digite sua crítica ou pergunta e responderei. Boa leitura.


Escola de Wing Chun sem erro

Desde a chegada do oficial* do Wing Chun ao Brasil em 1979, já se foram quase trinta anos. De lá pra cá muitas ramificações de nossa arte chegaram ao Brasil. A grande popularidade dos filmes de kung fu, e a aura de mistério e segredo que permeiam as artes marciais chinesas são um prato cheio para muitos falsários, que tornaram proporcionalmente Wing Chun a luta mais clonada do país.

Este tópico dá algumas pistas de que você está visitando uma autêntica escola de Wing Chun,
E outras de que você se meteu numa roubada.

SITUAÇÕES:

1. Termos japoneses e afins – Wing Chun é uma arte marcial chinesa. Se o sujeito que pretende te ensinar usa termos japoneses para descrever graduação, local de treinamento, etc. ele, no mínimo, não tem conhecimento teórico do que ensina. Bons instrutores qualificados e Mestres (pouquíssimos no Brasil, ainda) têm uma boa noção de cultura oriental e conhecem muito mais que os termos básicos de suas artes. Se ele demorar em te responder: O que é Tan Sao?
Pak Sao? Yat Ji Jung Choi? Siginfica que ele não teve o menor interesse em saber nem o básico.

2. Aula em academia de ginástica – A prática do Wing Chun envolve não apenas treino físico (que exige equipamentos específicos), mas projeta seus princípios para a convivência e conduta marcial entre os seus praticantes - que formam uma Família-kung fu - e a sociedade. Se for uma aula entre uma barulhenta aula de swing baiano e outra de Jump, três vezes por semana, que ambiente você tem para isso?

3. Discurso – Os movimentos de Wing Chun não imitam os movimentos de animais, por isso é um estilo de kung fu muito prático. Contudo, isto tem servido como pretexto para professores quererem afirmar que o Wing Chun é melhor que outros estilos ou lutas. Esta postura arrogante não faz parte do Wing Chun, que está embasado técnica e moralmente em filosofias ordeiras como o budismo. A melhor expressão do Wing Chun na luta é contra-ofensiva e se presta a situações de perigo extremo.

4. Treinamento de luta – Os praticantes de Wing chun têm por hábito falar da simplicidade e eficiência da arte, mas a maior parte das escolas não coloca seus alunos para combater. Isso é o mesmo que ensinar a nadar no deserto. O equipamento protetor e golpes baixos característicos geralmente são usados como desculpa, contudo, com boa vontade e alguns ajustes é possível aproximar-se muito da aplicação real.

5. Origem – Se pergunta ao professor onde ele aprendeu Wing Chun e ele te diz: - Fulano de tal, pergunte quem ensinou Fulano, e assim sucessivamente até chegar ao fundador (a) do Sistema; A Genealogia é a garantia do que você aprendeu tem relação direta com a Origem do sistema, e um professor que respeita a ancestralidade terá seus nomes na ponta da língua. A partir da daí, você tem condições de verificar detalhes pela internet. Caso ele venha com respostas vagas, ou mude de assunto, é bem provável que você esteja lidando com um impostor.

6. Cursos rápidos para Instrutores – Wing Chun é provavelmente uma das artes marciais mais rápidas para se aprender e concluir o treinamento básico de mãos livres. Contudo, seus conceitos subjetivos levam muito em conta a experiência individual do praticante, e levam-se muitos anos para amadurecer o suficiente para ensiná-la. Desconfie de cursos que levam em conta apenas o rendimento físico, ou o domínio da técnica de luta, Wing Chun não é esporte, nem mera defesa pessoal, embora possa ser praticado individualmente com essa finalidade - Vide tópico dois.

7. Referências a Bruce Lee – Este astro dos filmes de kung fu foi sem dúvida o mais famoso dos alunos de Yip Man, e o grande responsável pela popularização do Wing Chun e do Kung Fu fora da China. Sua visão realista e sem floreio das artes marciais e sua expressão física – Jeet Kune Do – o tornaram eterno. Contudo, se o professor se refere a Bruce como mestre supremo, se seus alunos imitam os movimentos e os gritinhos dos filmes, saia de fininho de lá. Bruce Lee, destarte toda a sua habilidade, nunca concluiu seu treinamento em Wing Chun. A sua aura de invencibilidade é criação da imprensa, e serve de prato cheio a mestres de meia-tigela, que passam uma visão fantasiosa do kung fu.

Bem, acho que é isso. Quero advertir, pórem que esta é uma visão muito pessoal do assunto, dados os últimos tópicos da comunidade, e não representa nada mais que isso.

Um abraço.

*Refiro-me no texto (àquela época para evitar discussões no site) à chegada de meu Sifu Li Hon Ki, membro da Hong Kong Ving Tsun Athletic Association e Yip Man Art Martial Association, ao Brasil. Hoje é tido como consenso entre os principais mestres como o introdutor do sistema Wing Chun no Brasil Sifu Thomas Lo, discípulo de Greco Wong em 1969. Outros defendem que Li Wing Kay, irmão de Li Hon Ki, foi quem apresentou o estilo publicamente pela primeira vez em 1971. Mas certamente quem difundiu o luta para todo o Brasil em larga escala foi o escritor Marco Natali, que aprendeu o sistema com um Mestre da malásia de nome See Tiong Fo. Nota do autor.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

CHI SAO/LAP SAO NÃO TE PREPARA PARA A LUTA. Aprenda a usar melhor essas ferramentas sem as superestimar.

PRÓLOGO

Estava lembrando dos parceiros mais habilidosos na prática do Chi Sao por essas bandas antes começar a as chatissimas (de se botar no papel) nuances técnicas do Chi Sao e Lap Sao. Vira e mexe algum mestre me escreve falando de como descobriu algo e fascinante durante a prática. Não duvido. O Chi Sao especificamente é um exercício que qualquer pessoa deveria fazer alguns minutos por dia, talvez no lugar de palavras cruzadas ou das iguamente chatissímas meditações sentadas de todas as variantes do budismo.

Isso porque o Chi Sao é de fato um exercício mental elaboradíssimo e que é surpreendentemente divertido depois que você domina as posições básicas, e que - se não tivesse função técnica alguma dentro do sistema Wing Chun - poderia ser praticado apenas por sua capacidade de manter a mente focada no jogo de tocar o outro e não ser tocado, onde quem "bate" no outro sem machucá-lo está no ápice do poder marcial, a humilhação suprema da técnica que se afirma na superação silenciosa do parceiro, quando a discrepância no nível de habilidade é grande. Entre estes dois objetivos, armadilhas, truques diversos, posições são alternadas numa brincadeira que tem regras e posições que de forma lúdica fazem com que a maneira mais eficiente de vencer essa "luta" seja uma a mistura de atenção, logro, paciencia e objetividade, dentro dos princípios da luta: linhas retas de ataque, cobertura de áreas desprotegidas, uso das cunhas triangulares para a defesa e ataque simultâneos etc.

Mas eu falava de meus amigos e parceiros de treino. Tenho muitos irmãos kung fu, mas eu tinha dois parceiros de Chi Sao - Lap Sao muito bons: O Nelson Santana, que foi a São Paulo, tornou-se campeão brasileiro de kung fu e hoje treina Jiu-Jitsu e boxe em São Paulo nas horas vagas, e o Alex Crispim, ex-campeão baiano peso-pesado de kung fu, que depois de nocautear o campeão sulamericano de Kickboxe com um Din Choi achou que podia podia fazer melhor se realmente fosse tentar fazer isso com os golpes certos... mas o caso é que o único cara realmente bom no Brasil que conheço é o Marcelo Florentino, o aluno mais velho de meu Sifu Li Hon Ki e que tem uma grande escola em São Paulo...e o cara está a dois mil kilômetros de distância, e vai me fazer pegar uma promoção dessas tipo ponte área RJ-SP 50 reais a passagem - via Boa Vista, São Luís e Natal para poder treinar em alto nível novamente.

Eu não estava vendo nada senão contar vantagem no parágrafo acima às custas das habilidades e feitos de meus amigos, mas isso me fez lembrar de algo muito importante que vai nos fazer entrar no assunto de uma vez. Caras como os que citei, bons de briga, todos são bons no Chi Sao/Lap Sao, mas nem sempre o contrário é verdadeiro, existem muitos caras bons de Chi Sao que nunca serão bons em luta de verdade, pelo menos não até praticarem outra coisa para fazê-los ir bem no cambate. Isso porque quem é bom no combate real também o é no simbólico, mas quem só tem experiência em mimetizar o combate não faz idéia da dificuldade que é quando não existem regras e posições pré-estabelecidas, nem o quanto de sangue frio é preciso para recuperar o controle emocional enquanto o outro cara te amassa sem piedade.

ANTES DE GRUDAR OS BRAÇOS

A primeira coisa que o praticante deve ter em mente antes de fazer coisa em Wing Chun é se perguntar: - Por que estou fazendo isso? Qual o objetivo deste exercício (base, forma, soco, chute etc.). Isso porque o Wing Chun é a luta dos mestres super sábios que te mandam fazer as coisas sem maiores explicações, e um dia algum insight divino, tal qual Bruce Leroy em The Last Dragon, vai baixar e você irá descobrir o grande Mestre. Aqui no Brasil há uma briga para saber quem é o melhor. O termômetro é número de revistas, livros e entrevistas cedidas á televisão. E se você tiver de usar o que aprendeu, você pergunte a seu adversário, olha você sabe quem é o meu mestre?

Chi Sao e Lap Sao são ferramentas que desenvolvem habilidades específicas. No Chi Sao (Colar os Braços) você precisa de um pré-requisito que é o contato com o adversário braço no braço (ou perna na perna, no caso do Chi Gerk). Da mesma forma que você pode fazer um "rola" de Jiu-jitsu com os olhos vendados, o mesmo vale para o Chi Sao no Wing Chun. No Lap Sao, você tenta sair de uma situação de contato que não te permite golpear o adversário para tirar, puxar, imobilizar o(s) braço(s) para pelo menos uma das mãos fique solta em boas condições para fazer um golpe válido ou preparar um golpe de perna ou varredura.

Mas há um problema aí. No Chi Sao, as posições são combinadas. As defesas funcionam bem com golpes de Wing Chun à curta distãncia, mas é inocente e pueril imaginar que elas funcionarão exatamente da mesma forma contra golpes de outras artes marciais - já que o Wing Chun é uma arte com soco e chutes e defesas muito peculiares - e ainda mais sem aquele contato inicial que facilita tanto a vida da gente. O Bong Sao, por exemplo, pode parar um soco em curso numa distância curta contra o soco vertical do Wing Chun, mas é totalmente ineficiente num soco horizontal se feito da forma clássica.

O Lap Sao (Puxar Braços) é o chinês para um termo sofisticadissimo, sempre super badalado entre os jeet-kunzeiros, chamado "Trapping Hands", que seria algo como "fazer armadilhas com as mãos" "mãos em armadilha" etc. Eu traduziria para o pejorativo "truques com as mãos" porque você vendo os caras fazerem isso tudo parece muito bonito, como quando a gente vê alguém fazendo malabarismos com cartas. Lap Sao é uma boa ferramenta quando está difícil passar a guarda do adversário, então podemos afastar um pouco o braço e bater no espaço artificialmente criado, mas achar que você vai "amarrar" os braços do oponente como se dá um nó nos próprios cadarços é coisa de quem vê filmes e faz Chi Sao em demasia. Entretanto, não custa nada ter dois ou três combinações no seu repertório, porque em tese você conta com a ignorância de seu oponente. Neste caso, o problema, além daqueles mesmo já encontrados no Chi Sao, é que se você demora demais segurando o braço do cidadão (isso SE você conseguir segurar no calor do combate) ele terá exatamente a mesma chance de bater que você tem, porque tanto você quanto seu oponente terão um braço colado e o outro solto, e que vença o melhor.

As situações estilizadas encontradas no Chi Sao/Lap Sao não tornam ninguém bom em luta especificamente. Mas então para que servem os exercícios? Será o caso de abandoná-los? Não, certamente a solução passa longe disso.

Continua...

Destrinchando o Muk Yam Jong, o boneco de madeira do Wing Chun, em uma análise de caso. Parte II

Pois é, assim como o personagem do game Tekken, Mukujin ( 木人) lit. Pessoa de Madeira, Uma corruptela de seu alter ego, Muk Yan Jong ( 木人...