segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Meu desejo, meu pedido e destino na noite estrelada

Hoje não vim para falar de socos ou chutes, ou para tentar explicar pela incontável vez para as pessoas que o Wing Chun não é uma forma idiota de atacar para frente como se se estivesse tendo um ataque epilético com socos de lango-lango.

Quero falar sobre minha filha primogênita, Nathália, ou melhor, sobre sua ausência, a falta que ela me faz. Ontem ela fez cinco anos. Não pude ouvir sua voz, nem vê-la fazer com sua mãozinha a idade fácil. Não sei quais seus sonhos, nem o que ela espera do futuro, nem mesmo deste tão próximo, o que ela quer ganhar de natal, embora desconfie. Sonho com ela todos os dias, sem faltar um só, e são sonhos doloridos que não raro me deixam prostrado e soturno durante o dia. E eu sequer sabia que isso podia acontecer com alguém antes de perder o convívio com ela.

Há mais de nove meses não a vejo. Acabaram-se os banhos, e com eles a promessa não muito segura do shampoo passar longe de seus olhos, o preparo do jantar, o beijo de boa noite, o ouvir de sua vozinha doce pedindo-me para contar a mesmíssima história de novo, e o vídeo batido das princesinhas para fazê-la capitular ao sono. Ela escondida num canto, de costas, com os braços cruzados e a cara emburrada quando eu lhe ralhava. Os passeios solitários e gostosos ao parque, o prazer de fazermos uma refeição juntos num lugar público exibindo nossa harmonia, a filha pequena nos braços fortes do pai babão, e aquele repente do seu olhar silencioso em mim, enquanto seus dedinhos passeavam pelo meu rosto, marcando-me para sempre com sua candura, com o seu amor simples e puro de criança. Aqueles abraços demorados e tão profundos nos reencontros, nas despedidas. Tão pequena e já tão forte, tão serena no lidar com a lonjura.

Às vezes me revolto, tenho desejos amargos e pouco gentis. Mas quando chega a noite, destarte  o sofrimento incomensurável e luta para que o sonho doído não deixe mais uma marca atroz para o dia implacável, sei que fiz a coisa certa, embora as pessoas à minha volta, mesmo as mais próximas, não entendam que um pai sempre sabe o que é melhor para o filho. Apesar de toda crítica, todo o preconceito que existe contra pais em minha situação, que muitas vezes aceitam a critica de tanto a ouvir repetir, ao invés de seguir seu coração. E da mesma maneira que perdi minha filha, sei que a terei de volta em meus braços um dia.

Com quatro anos incompletos, Nathália me disse certa vez: "Papai, eu sempre olho para céu procurando você". E todos os dias, na madrugada, é lá que a encontro, no céu estrelado onde eu me perdia em minha meninice nas noites escuras do interior. E quando olho para céu hoje, homem feito, maduro e ferido, em meu ritual diário, sei de cor meu desejo, meu pedido e meu destino. Boa noite, filha.


Um comentário:

Sifu Marcos. disse...

http://www.amorteinventada.com.br

O link acima me foi apresentado por um amigo praticante de Aikido. Eu gelei quando vi o site, porque ele descreve exatamente coisas pelas quais estou passando como pai. No texto, tentei não especificar qual o problema exato que estou tendo, nem julgar ninguém, mas há um texto para isso, o nome é Alienação Parental.

Uma confusão de sentimentos assoma quando do término de uma relação, e não raro o pai tem dificuldade para reconhecer o problema, porque a sociedade, e mesmo sua própria família o condenam por antecipação, mesmo quando ele e a criança é que são as vítimas.

No meu caso, surpreendentemente foi uma amiga que morava na Argentina, que me mandou o texto da lei. Num instante, tive a mesma sensação que tive ao ver este site. Se você é pai que passa por isso, divulge, conte a sua história.

Dedico este texto a Lúcia Adamoli. Descanse em paz, amiga.

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