sábado, 12 de janeiro de 2013

Defesa Pessoal, a falácia da pilantragem marcial - Segunda Parte.

(...) A luta que se seguiu entre Eduardo e o bandido mais imediatamente próximo (teriam sido quatro assaltantes ao todo) foi dramática. Mesmo tendo tomado a arma do bandido e atirado nele, ele foi alvejado quatro vezes no processo, seu carro, armas e pertences roubados, enquanto ele ainda teve forças para gritar por socorro antes de ser amparado por populares. Muitos detalhes são obscuros, versões testemunhais e técnicas divergem e seria leviano congelar alguma versão e lançar alguma análise pormenorizada. Seja como for, a forma como um policial extremamente bem preparado, que passou por cursos com os maiores especialistas brasileiros de praticamente todos os ambientes de combate - armado e desarmado - tombou numa situação de estresse extremo mostra o quão limitado e impreciso pode ser este termo "Defesa Pessoal" e os mundos e fundos técnicos vendidos por profissionais de artes marciais que a imprevisível e inesperada realidade trata de colocar à prova da pior forma possível.

***

"SiFu Marcos, quero aprender Wing Chun. Vi todos os vídeos de Mestre Fulano de Tal e fiquei muito impressionado. O senhor ensina em média em quanto tempo para o cara ficar bom?"

"Olha, meu trabalho não segue muito essa linha. Para ficar bom é preciso de um trabalho muito duro que vai depender muito mais de você do que algo que eu possa te oferecer. Posso te fazer uma pergunta? Por que quer aprender a lutar Wing Chun?"

"Eu quero uma defesa pessoal simples e eficiente. O que o senhor acha dos vídeos de Mestre Fulano de Tal?" 

"Para te falar a verdade, acho que ele mesmo é muito bom, tem muita habilidade, mas duvido muito que alguém se mova daquela forma numa luta real. Então, se o vídeo fosse um pouco menos combinado, talvez eu pudesse julgar melhor. É muito pouco provável dominar quatro ou cinco sujeitos de uma só vez, pelo menos com toda aquela facilidade. As coisas são um pouco mais complicadas quando saímos da frente da tela. Talvez eu esteja errado, espero que esteja. Sei lá."

O sujeito insiste em correr conosco, afobadíssimo. Na época treinávamos em um quente porão sem janelas de um prédio que dava na avenida Contorno, praticamente embaixo de um viaduto. Tenho orgulho de meus garotos. É a segunda vez que montávamos nossa academia no espaço de um ano. Enquanto corremos tento aplacar o entusiasmo excessivo, quase pueril do sujeito, com doses de comedimento e bom senso. Ele me parece um daqueles teóricos impressionáveis. "Qual as vantagens em se praticar a sua linha?" "De fato, nenhuma", respondo. "Quero que as pessoas se divirtam no final das contas. Por que não assiste a aula e vê por si?" 

Quando os garotos colocam as luvas de boxe e começam a trocar golpes, vejo a cara de decepção do rapaz. Ele alega sentir-se mal e pede para sair praticamente correndo, como se estivesse livrando de algo ruim, externando sem um pingo de vergonha seu total asco pelo que fazíamos, dizendo sem qualquer convicção que voltaria em outra oportunidade. Estou um pouco triste, mas logo me viro para os meninos, rio e digo "Alguém aqui acha que ele vai voltar?" O pessoal cai na gargalhada. 

Continua...










2 comentários:

Caio disse...

Gosto da sua forma de trabalhar. Direta sem floreios, particularmente acredito que a arte marcial é como uma camisa que veste diferente a cada um por causa de suas proprias particularidades, o professor ensina a sua verdade para que o aluno possa construir a sua propria. Interessante a sua particular forma de enxergar a arte e a luta. Me reconheço muito nesse trabalho. E vestiria a camisa do seu kung fu, que mesmo sem conhecer me parece tão familiar.

Unknown disse...

Obrigado pelo comentário, Caio. Desculpe não o ter respondido, só hoje o vi. Muito obrigado, mesmo. Este texto foi escrito num momento de perda muito grande. Acredito muito nisso que você escreveu. O Wing Chun funciona assim mais do que metaforicamente, ele foi projetado para funcionar deste modo em sua estrutura; no final das contas, cada um tem o seu Wing Chun.

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Pois é, assim como o personagem do game Tekken, Mukujin ( 木人) lit. Pessoa de Madeira, Uma corruptela de seu alter ego, Muk Yan Jong ( 木人...