PRÓLOGO
Durante estes últimos anos como escritor, o ponto central da minha carreira tem sido explicar ao público brasileiro qual a proposta real do Wing Chun dentro do mundo das artes marciais, em particular do ponto de vista técnico. No Brasil e no resto do mundo, tendo como ponto de partida a carreira meteórica de Bruce Lee no cinema, há mais ou menos quarenta anos que o Wing Chun vem sendo vendido por seus mestres e professores como o "melhor estilo" de arte marcial. Entretanto, no começo dos anos 90, a ascensão da família Gracie em escala mundial com os torneios de MMA, e as derrotas humilhantes que alguns lutadores de Wing Chun sofreram nestas competições fizeram rapidamente com que os poucos profissionais que realmente ganham dinheiro empresarialmente com a arte tivessem de encontrar outros caminhos para divulgar seu produto. Assim sendo, o Wing Chun passou a ser vendido com a alcunha de arte marcial "realista", que apesar de não ter grandes resultados expressados no ringue, seja de MMA ou torneios de contato total, teria totais condições de defender seu praticante numa briga de rua, onde não há regras ou limites de tempo, modo de lutar etc.
Colocado de outra forma, podemos dizer que ficou cômodo demais para nós. Superestimamos nossas habilidades, falamos bobagens, e para ficarmos bem bastou mudarmos o discurso para que os problemas relacionados à nossa prática fossem varridos para baixo do tapete. De fato, o Wing Chun ficou conhecido na China por seu sucesso nas brigas de rua, em especial na Hong Kong dos anos sessenta quando alguns alunos de Yip Man conseguiram fazer frente a praticantes do estilo Choy Li Fut, que dominavam com folga estes embates. Mas foram outros tempos e o modo de lutar mudou no mundo inteiro. De lá pra cá o Choy Lee Fut cresceu tanto nas competições quando como sistema de defesa pessoal, enquanto o Wing Chun hoje é visto como uma piada no mundo das artes marciais de competição. Diante disso, o cara que realmente ama Wing Chun se pergunta: Por que nossa arte não vai bem nas competições? E uma vez que não, será que ela realmente teria utilidade num conflito que, embora provavelmente menos especializado, é potencialmente mortal como uma luta sem regras? Há alguma validade real na prática? Posso confiar no que faço? Por incrível que pareça a resposta é mais óbvia do que se imagina, e se o praticante de wing chun ou leigo lerem com atenção este artigo, não terão mais dúvidas sobre este assunto.
Vejamos a sequência de fotos acima. Nela, escolhi um tipo de movimento natural de defesa comum tanto ao Wing Chun quanto ao Boxe ocidental, mas vamos analisar como a coisa seria feita primeiro numa luta especializada em ringue como boxe que também já pratiquei de forma amadora (cheguei a ser cogitado para um futuro hipotético na seleção brasileira, mas parei pelo caminho e hoje me arrependo) , mas cujos movimentos também servem para a situação de "rua". Na foto 1, o atacante esboça um gesto de ataque em que o defensor, de branco, também boxeur, faz um pequeno movimento com o tronco para trás (foto 2) apenas o suficiente para deixar morrer o golpe do atacante, para que volte com uma sequência de 1, 2 (Jab de esquerda e direto de direta). Mais ou menos como um "joão bobo". Como as fotos foram feitas de movimentos naturais de combate sombra, a sequência fica bem espontânea, natural (o modelo não aceitou ser atingido, repare na esquiva e no olhar dele, olho de tigre, o Sifu imaginando se deveria voltar com cruzado, rs). Nesta primeira sequência, a única preocupação do boxeador é estar longe apenas o suficiente para colocar sua sequência, a defesa é a mais natural possível, e só um elemento de variação que tem a ver com os seis golpes (Jab, direto, ganho, uppercut e dois cruzados) já conhecidos de braços que possam ocorrer entre os dois competidores. Agora, vamos ver abaixo a resposta do Wing Chun a um ataque parecido, usando a mesma inclinação para trás como defesa principal:
Na primeira foto, o defensor, lutador de Wing Chun, que numa situação rea.. ops, irrestrita (porque uma luta do UFC não seria "real"?) supondo que não quisesse ou esperasse o conflito seria atacado provavelmente de surpresa, e sem dados para saber exatamente o que fazer, inclina seu tronco para trás, numa defesa muito semelhante à da primeira sequência. A defesa Gip Sao significa "receber", mas não tem a função específica de defender o golpe, mas cobrir a área onde provavelmente o golpe poderá passar. Agora note, ainda na primeira foto, que a mão direita do defensor faz um movimento descendente passando por toda a região abdominal. Ou seja, a mão esquerda cobre a área alta enquanto a direita, a baixa. Assim, naquela área escolhida para ser coberta, a defesa principal, assim como no caso do Boxe, foi a esquiva, mas no caso do Wing Chun um movimento a mais foi feito, pois numa situação real, você tem muito mais fatores para observar. Supondo, por exemplo, que o primeiro golpe tivesse sido, ao invés de um jab de esquerda, uma estocada de objeto perfurante na barriga, como uma faca ou uma chave de fenda, o praticante de Wing Chun poderia até ter a sua mão cortada, mas certamente teria mais chance de evitar um golpe potencialmente letal. Da mesma forma, uma paulada na cabeça teria seu afeito atenuado com defesa esquivante de cima. Para o lutador de wing chun, não importa onde será o golpe, ele deve cobrir toda a área. O maior erro dos praticantes de Wing Chun é querer "ver" os golpes e isso definitivamente não funciona.
Na segunda foto, o contra-ataque é um soco típico do Wing Chun com o corpo de lado, pouco conhecido na maior parte das escolas chamado Din Choi (Soco de Batalha) e cuja estrutura e origem provável no templo Shaolin foi discutida neste blog no ano de 2011 no texto sobre Luk Dim Boon Kwan. Durante e execução deste soco o braço esquerdo do defensor é violentamente puxado para trás com o objetivo de potencializar o giro e fazer com que o braço da frente o alvo com um efeito de chicote. Há um modo um pouco mais defensivo, fechado, de mostrar essa mesma técnica, a mão esquerda ficaria na guarda mas fiz questão de mostrar como isso seria feito pelo iniciante, ou seja, com o golpe no seu máximo de potência explosiva. Na última foto, um exemplo ainda mais contundente do que poderia ter sido o primeiro movimento do lutador de Wing Chun que procura defender e atacar ao mesmo tempo sempre que possível. Ele executa Tiu Gerk "Perna que se levanta" pegando a mesma energia que o levará para trás para fazer um forte pisão no chão que servirá de pivô para transferir a força de todo o corpo para o peito de seu pé direito mandado às partes baixas do adversário. Muitos profissionais de Wing Chun gostam de falar de golpes baixos no wing chun, mas não sabem como a própria estrutura de funcionamento do sistema contribui tecnicamente para isso. Afinal, qualquer idiota sabe dar um chute baixo e, do mesmo modo, qualquer um que tenha dedos pode tentar levá-los aos olhos de alguém na hora do desespero. Não se trata do que se pode fazer, mas como o ritmo e a estrutura para a qual a arte foi criada/adaptada guia o processo. Quanto mais o agressor entra com toda a sua força, de um modo forte e pouco pensado, melhor ficará para o lutador de Wing Chun.
EPÍLOGO
Em qual das duas situações o praticante de Wing Chun que leu este artigo acha que há uma melhor eficácia do ponto de vista energético? E técnico? Quantos golpes sequenciais podem ser melhor colocados nas duas situações? Não há um resposta pronta, há que se refletir um pouco para fixar, mas aposto que este artigo lhe dá uma luz nova sobre um assunto velho, lhe deixou mais tranquilo. Como um sujeito que praticou das duas lutas e treinou diariamente as duas situações e muitas outras semelhantes, posso dizer que o jeito do boxe tem uma defesa mais simples e prática e a possibilidade de ter o corpo mais livre para golpear em sequência, pois os golpes - seis somente- e os limites técnicos estão definidos . A reação do lutador de Wing Chun exposto ao conflito irrestrito exige que ele tenha uma solução geral para problemas potencialmente mortais (embora você na maioria das vezes irá sair apenas com um olho roxo, um combate de ringue com alguém preparado para você, na sua idade, no seu peso e preparo físico pode ser muito pior) e inesperados na ação, mas que tem um custo funcional adicional. O lutador de boxe sem noção de cobertura com os membros terá dificuldades amplas caso ele seja exigido fora de sua área, enquanto o de Wing Chun terá uma limitação mediana em todos os aspectos, mas será como um carro que anda bem em qualquer terreno. Em nenhum dos dois casos se ganha algo sem se perder outra coisa em troca. A ação do lutador de Wing Chun deve ser mais ampla e sofisticada na defesa e o ataque, uma vez que devemos supor que nosso adversário tem algum tipo de vantagem sobre nós, deve ser simples porém decisivo. Analisando deste modo, não do há que se envergonhar de sua arte. Ela é o que é, não precisa ser o que não é, a menos que, ironicamente, uma necessidade REAL se configure. O Wing Chun nunca vai ser boxe, nem precisa ser. Entretanto, a linguagem da luta irrestrita de "rua" está mudando com as competições, e a internet democratizou o acesso ao conhecimento. Se ficarmos apenas nos escondendo em nossa zona de conforto porque alguém no passado criou algo que foi útil há trezentos anos, ficaremos para trás.
Principais técnicas mostradas no artigo:
Jip Sao 接手 , Ding Choi , Tiu Gerk 挑腳
35 comentários:
Sifu, mais um excelente e esclarecedor artigo. Nota-se claramente o domínio do assunto. Parabéns e um grande abraço de seu aluno.
Sifu, parabéns pelo artigo.
Admiro a coragem como aborda o tema. Pois, mesmo sendo difusor do estilo, consegues, de maneira mui respeitosa, colocar o Wing Chun sob a égide da crítica e da razão. E essa prática é, sem dúvida alguma,muito saudável para o desenvolvimento pessoal do praticante de Wing Chun.
Att.
Nágib
Parabéns SISOK!!! Excelente Artigo!!!
Deu vontade de treinar!!!!
Aí Marcão! Como sempre, o cara culto, muito bem informado e contextualizado que me inspira respeito. Ótimo texto, parabéns!
È impossível não ler os artigos de sifu e não aprender alguma coisa.Sempre tenho a impressão de que por mais que eu tente expandir meu campo de visão sobre a arte, lendo os artigos de sifu,sempre acabo percebendo que o campo é bem maior e a ''linha de horizonte'' ainda está longe....
Sifu, como sempre nos surpreendendo com a nossa arte, e mostrando ao mundo de maneira coesa. Excelente artigo!!!
Esta foi a matéria mais visualizada até hoje no blog, e muita gente mesmo tem-me procurado para agradecer e comentar positivamente.
Eu a baseei numa demonstração simples que faço em seminários ou quando curiosos e lutadores de outros estilos vem a meu Mo Koon (salão de treino) para demonstrar como o Wing Chun funciona e sua diferença para o esporte de combate e seus pontos em comum.
Eu sabia que muita gente se surpreenderia com a simplicidade da explicação, e com o recorrente "puxa, meu pensamento já passou por isso, mas eu nunca consegui elaborar isso direito". Isso decore do fato dos mestres sem em geral meros reprodutores de seus métodos.
Lançar um olhar distanciado para sua própria arte pode ser o melhor meio de você aproximar os outros dela.
Eu só fico um pouco triste porque as pessoas não dão um pouco de volta que seria comentar aqui mesmo no blog, ou assinar o blog. Isso poderia fazer com que as discussões sobre as idéias ocorressem aqui mesmo, e poderíamos elaborar um pouco mais. Seja como for, meu muito obrigado a todos os que leram e ajudaram a bater o recorde de acessos num período tão curto de tempo.
Sei também que pessoas mundo afora já leem meus artigos traduzindo-os do português, especialmente da Rússia, França e USA, e peço desculpas por ainda não estar escrevendo em inglês, mas como sou perfeccionista, estou estudando para que meu inglês ainda intermediário possa expressar melhor minhas idéias.
Abraço,
Marcos.
Gostei do artigo e aproveitei e li sobre as "Faltas" no UFC. Regra 15:
http://br.ufc.com/discover/sport/rules-and-regulations#15
Pelo que li, você disse que os artistas marciais de WC estão numa "Zona de conforto" com o discurso de defesa pessoal para situação real, sem regras, etc etc etc.
A ideia do UFC é que o "mais forte" vence a luta. Dizer que o WC/WT não serve para o UFC, por causa das regras, é bobagem.
Simplesmente lendo as regras, vejo que não há muitas restrições ao WC como o pessoal diz por aí.
Acertar genital ou dedo no olho são regras básicas de qualquer luta. Cotoveladas na nuca ou outra coisa mais grave mataria o lutador, por isso é abolido do esporte.
Dizer que são as regras é esquiva.
Alguém aí quer liberdade para matar ou aleijar um lutador no UFC? O WC tem "armas" suficientes para entrar numa competição com REGRAS!
Tem a Linha central inteira para bater, só retirar a garganta, olhos e genital. Respeitar as regras que tiram a vida(cotoveladas na nuca, joelhadas, calcanhares.
Alguém aí seria "covarde" a ponto de usar chutes na cabeça de uma pessoa no chão??
A luta sem regras chega a ser desumana, da mesma forma que sobreviver numa situação na rua... Precisa-se bater de qualquer forma para sair vivo, mas no ringue não.
Resumindo... No UFC o melhor esportista vence. Se o WC quiser entrar ele precisa se PROFISSIONALIZAR. Dizer que não funciona por causa das regras é outra história. Profissionais treinam várias HORAS TODOS os dias, e no CHÃO também.
Não acredito que WC de 2x por semana, 1h 30min de aula dê certo no UFC. Contra o pitboyzinho sim, no ringue não.
Sensacional, muito bem explicado, praticamente uma aula com palavras!
Muito obrigado por compartilhar!
Abraços,
Minoru
Caro Vinícius,
Por incrível que pareça eu venho tendo problemas com algumas regras do UFC para usar o repertório técnico do Wing Chun com Hugo "Wolverine" Viana no UFC com o tipo de abordagem que venho fazendo junto com o seu preparador físico, instrutor de Wing Chun e último córner dele nesta derrota que tivemos no UFC Califórnia, Leonardo Chamusca. Uma vez que o Hugo não é um lutador de Wing Chun de origem, fica difícil exigir dele, por exemplo, o uso do Kwai Jian em algumas situações da luta, pois os juizes podem interpretar como um golpe "meia noite" ou seja, totalmente de cima para baixo. Mas à medida que o leque de ataque dele aumenta isso deixa de ser um grande problema.
Repare que a questão não é usar ou não golpes baixos, mas que a ESTRUTURA da arte mas estes golpes com método. a melhor prova que podem ser usados nas regras é o próprio Jon Jones que está usando golpes típicos de Wing Chun e Jeet Kune Do em suas lutas, facilitado talvez por sua grande envergadura.
Eu particularmente acredito que o Wing Chun, no estilo de SiTaiGung de Yip Man tem sim algumas limitações por seu padrão defensivo, como está explicado no texto, mas se nos limitarmos por isso a nossa arte não evolui, não é mesmo? O Wing Chun não é ruim, o texto te ajuda a enxergar os pontos fortíssimos, o problema é que ele depende demais de compreensão de seus conceitos e muita experimentação.
Obrigado por comentar. Gostei bastante de seus argumentos.
Caríssimo Sifu Minoru,
Destarte você ser um profissional já tarimbado, formador de opinião, com escola em franca expansão, como somos amigos à velha moda marcial e eu vi praticamente nascer sua carreira como guia de pessoas e você é ainda muito jovem, tenho liberdade para dizer: estude este texto com cuidado pois ele pode te ajudar a pensar o Wing Chun de maneira mais autoral no futuro.
Quando sai mais um vídeo seu?
Abraço,
Marcos.
Agradeço o comentário e Sugestão Sifu Marcos, com certeza é um texto muito rico e que irei estudar!
Sobre videos, o ultimo que soltei foi no começo do mês passado (Junho), vídeo bem básico do pessoal treinando, dia de treino mesmo!
Abração brother!
Nem vi! Posta o link aqui do teu blog que aqui não é comunidade, não, aqui eu sou um déspota e meu amigos tem espaço cativo.
Bom Marcão, o video do treino o qual falei é esse:
http://www.youtube.com/watch?v=zGKtoaZJBFY
Alguns alunos iniciantes, outros com um tempinho de treino já, como disse anteriormente não é nada demais, apenas peguei o pessoal praticando e dei uma filmada!
O Blog, faz um tempo que não posto, preciso retomar, segue:
http://wingchunsaoroque.blogspot.com.br/
Grande abraço amigo!
Parabéns pelo artigo, Sifu Marcos. Sempre bem fundamentado em suas colocações. Abs
Obrigado, Orlandeli,
Sua opinião é deveras importante para mim como intelectual que é. Forte abraço do seu irmão Wing Chun.
Olá, caros leitores, alunos e amigos do Wing Chun de Yip Man que tanto lutamos para preservar,
Este artigo - só ele - hoje bateu a marca de 1000 leitores e é o mais lido do blog, uma marca excelente para um texto técnico sobre uma arte marcial infelizmente ainda caracterizada por discursos de mestres arrogantes que ignoram a especialização das artes marciais e julgam o Wing Chun o "mais simples e eficiente de todos os estilos de kung fu", uma falácia que combato com todas as forças para que a realidade técnica arte finalmente apareça aos interessados. Obrigado a todos que leram a matéria e ajudaram a divulgá-la.
Forte abraço,
Marcos.
Sem dúvida um artigo esclarecedor e realista. gosto de ler as postagem do sifu Marcos ppor causa disso: franqueza e honestidade.
Abração
Sifu Marcos, não sou muito de participar de fóruns na internet, mas esta discussão me impulsionou a fazer alguns questionamentos ao senhor. Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que sou um grande admirador do seu trabalho e da sua visão realista sobre a arte, sem dúvidas o senhor é um dos poucos diferenciados deste meio. Bom, mas gostaria de saber, em sua opinião, o que levaria hoje um jovem a praticar wing chun, partindo do princípio que ele leu as suas críticas, quando existem artes marciais mais acessíveis, “atualizadas”, e testadas em campeonatos como o muay thai ou jiujitsu?
O caminho do WC será se tornar semelhante ao aikido, cujo maior chamariz é conhecer outra cultura ou trabalhar a inteligência emocional? Pergunto isso, pois se o arsenal do WC é fraco para lutas esportivas e como técnica de defesa pessoal é deficiente, qual seria vantagem de praticar WC atualmente (se existir)?
Perdoe-me se o ofendo com as minhas dúvidas, mas costumo ler o seu blog e há muito tempo gostaria de pergunta-lo sobre isso?
Obrigado.
Ps: a discussão a que eu me referia, está ocorrendoic na comunidade Wing Chun Brasil e girava em torno da eficácia do WC.
Peço desculpas por ter retirado o post de lá e tê-lo colocado aqui, mas como era muito direcionado ao senhor, por que gosto muito da forma como o senhor se expressa, decidi que talvez fosse melhor deixá-lo por aqui.
Ademais, não gosto de me envolver em discussões ou polêmicas, apenas queria saber a sua opinião, já que o senhor é um dos pioneiros aqui no Brasil com essa forma de forma de pensar o WC, com o intuito de adaptá-lo, porém é um dos poucos que pensam assim. Ainda há muito tabu e muita gente ainda tá naquela do "dedo no olho" e tal.
Agradeço pela atenção.
* quis dizer adaptar o WC ao esporte e questionar as "máximas de invencibilidade" defendidas por muitas linhagens.
Caro, Paulo,
Obrigado por (res)postar no blog a pergunta do fórum. Em tempo: eu jamais me ofenderia com a pergunta, uma vez feita da maneira polida que fez. Só o fato de meus textos terem produzido este questionamento em você já é indicativo que atingi meu objetivo, que é fazer as pessoas pensarem "fora da caixa".
Talvez a minha crítica ao termo "defesa pessoal" enquanto indústria (muito lucrativa) do conflito tenha feito você pensar que o Wing Chun não seja bom o suficiente na área; ele é, e este texto mostra que a limitação que o estilo tem na luta esportiva se deve justamente à versatilidade que ele tem nesta área, com a vantagem de não se ter de decorar mil soluções diferentes para cada ação, como em outros métodos.
Em relação ao Aikido (que recentemente foi alvo de uma propaganda nefasta por parte de um Sifu de Wing Chun), sua validade como arte marcial para mim pode ser altíssima, a depender de como seja treinado. Ele funciona de maneira sistemática (movimentos circulares e amplos, conduzidos para torções e/ou projeções), como toda luta efetiva faz a fim de reduzir o caos das possibilidades, como faz o BJJ (contato corporal conduzindo a chaves e estrangulamentos no solo) e outros métodos. Pessoas são diferentes. É muito melhor uma pessoa pacífica e ordeira treinar Aikido para a defesa do que treinar um Muay Thai cuja agressividade e falta de piedade não usurá se tiver, por exemplo, de joelhar o agressor até o nocaute. Hoje, temos a sorte e o acesso para escolher aquilo que combina melhor com nosso tipo físico e visão de mundo.
Lutas que vendem a "defesa pessoal" vendem basicamente um produto chamado reação: o cara te dá um soco, você reage; você é assaltado, você reage. Alguém tenta te dar um tiro, uma gravata, um grupo de pessoas te cerca etc.
Você entra numa academia, e passa basicamente de uma a duas horas, três vezes por semana, aprendendo a sair de uma roubada, ou seja, investe seu tempo, dinheiro e energia para sair de uma situação em sempre estará um passo atrás do adversário, ao invés de gastar pelo menos uma parte deste tempo tentando entender as condicionantes do conflito para evitá-lo. Mas é claro, quem vai querer deixar de perder uns quilos, gastar uma calorias ou deixar de bater na manopla para isso? Ora, estes vendedores de conflito basicamente fazem o seguinte: "Olha, vamos deixar este edifício pegar fogo. Não importa quanto o fogo vai se alastrar, essa água que eu estou vendendo neste balde é muito melhor que água dos outros".
Não estou dizendo que não seja importante saber se defender, nem mesmo que os métodos sejam necessariamente ruins. Apenas que se você é obrigado a lutar com um desconhecido na rua por sua vida, em situação de franca desvantagem, estrategicamente falando houve uma falha sua em 90% casos, e essa falha não terá sido em relação a ação marcial, mas ao pensar marcial, tão importante quanto, e que não se aprende entre a aula de suingue baiano e um "aeroboxe".
Continua...
A situação que descrevi acima é emblemática. Ela mostra o quão burro ou iludido é o sujeito que vê mais vantagem em estar mais preparado para um conflito de variáveis desvantajosas e que reduzem brutalmente as possibilidades de sucesso, quando está em suas mãos a chance de evitá-lo sem prejuízo para a prática física propriamente dita. Trabalhadores sujeitos ao comando externo e que são a bucha de canhão para a violência que emerge dos problemas sociais, como seguranças, policiais e forças militares são uma exceção obrigatória, uma vez que são combatentes profissionais.
Mas até estes grupos de combatentes tem problemas, uma vez que a quase totalidade das lutas "absolutas" em geral defendem uma suposta eficácia num combate irrestrito, mas estão tão longe dele no mundo real que muitas vezes essa pregada eficácia não se verifica na prática nem mesmo nas situações menos complicadas, que um esporte de combate teria mais facilidade. Inda mais que a escolha das modalidades são feitas com critérios para lá de duvidosos, como preferências políticas e interesses particulares que não levam em conta perfis de grupo, objetivos, características, recursos materiais e ambientes de confronto.
Dentro deste contexto o Wing Chun surge como uma opção dentre muitas outras. Entretanto, eu jamais colocaria a vida de alguém de minhas relações na mão de alguém que não tenha se testado, ainda que na forma simples de um combate com regras, por tempo o bastante para que este mesmo individuo desenvolvesse certas habilidades e, principalmente, aprendesse com a derrota a ponto de ter a dimensão real de até onde seu método pode ir, pelo menos em uma das áreas abordadas. Competir também atualiza o praticante acerca da linguagem e táticas usadas. A competição é base do sucesso na natureza; e não seria diferente no mundo das lutas. Menos luta, menos experiência, menos eficácia.
O contexto dos campeonatos de artes marciais mistas(MMA) num mundo que passa por uma revolução de acesso a informação vem influenciando de tal forma o público com sua popularidade que é um tremendo um erro estratégico destas lutas de defesa pessoal não calcular que a luta que se faz na "rua" não seja de alguma forma influenciada por este evento de cada vez maior popularidade e que vem mudando rapidamente o jeito de pensar a estratégia do combate mano a mano no mundo inteiro. Ainda hoje, os líderes destas escolas preferem se esconder nas desculpas esfarrapadas sobre uma suposta infalibilidade num ambiente de uma luta sem regras, como se eles mesmos treinassem sem as mesmas, e como se os confrontos abertos não tivessem eles mesmos suas próprias leis.
Não creio que Wing Chun seja para todo mundo. É um estilo muito particular, que tem uma lógica matemática facilmente inteligível pelo individuo desprovido de talento e dotes físicos, mas que paradoxalmente exige uma grande sensibilidade intuitiva. Tampouco acho que alguém deva aproveitar seu tempo, que na realidade é destinado grande parte das vezes a algo que goste anotando num papel vantagens e desvantagens. Se a prática não combina com você, logo a abandonará, vantajosa que seja. Há muitas artes e métodos por aí. O que devemos evitar é a mentira entre o que se vende e o que se tem de fato.
Uma vez assisti um repórter perguntar a um grande arqueólogo quais as vantagens de se estudar a história da cerâmica, seu objeto de estudo. Ele disse: "não vejo nenhuma vantagem. Você pode chegar às mesmas conclusões por outros meios. Aproximei-me disso por paixão e isso é o suficiente para mim."
Espero ter ajudado. Caso ainda tenha alguma dúvida sobre o texto, por favor, deixe-me saber.
Abraço,
Marcos.
Sifu Marcos, posso dizer que já estava satisfeito com a sua resposta na comunidade, mas depois deste texto aqui no seu blog, nem tenho palavras para agradecer a sua atenção e o tempo dedicado.
Adimiro muito a sua visão e o respeito com outras artes marciais, sempre elevando o Wing chun, mas sem depreciar ninguém. Quando coloquei o aikido (que por sinal,acho fantástico e tenho vontade de praticá-lo um dia) poderia ter sido outros estilos de kung fu, que se notabilizam mais pelo taolu que pela luta propriamente dita, foi apenas a primeira que me veio a mente.
Algumas vezes vi o senhor colocar que o wc não era para todo mundo. Ficava me perguntando o que isso queria dizer e achava que tinha que ser alguém com uma compleição robusta, hoje entendo que por mais que o wc pareça simples, se o praticante não o amá-lo, no sentido de perseverar, não conseguirá compreendê-lo e não permanecerá.
Bom, só posso dizer que foi uma honra falar com o senhor e dizer que continuarei a acompanhar o seu trabalho e torcendo pelo seu sucesso e do seu atleta, Hugo Viana.
Abraço.
Oi Sifu, eu me interessei muito pelos seus textos e queria saber se você poderia me indicar algum lugar para eu procurar praticar e ver se gosto não só dos movimentos, mas um lugar que tenha professores que conheçam a filosofia e realmente transmitam seus pensamentos e conhecimentos, obrigado!
Caro Lucas,
Boas escolas são raras no país. Posso indicar alguma de acordo com seus objetivos e minhas preferências pessoais, mas preciso que seja mais específico. Onde você mora e quais são seus objetivo com a prática da luta?
SiFu Marcos,
Simplesmente adorei o artigo. Mas que a arte marcial em si, encontrei no seu blog uma capacidade ampla desconstrução crítica que sanou muitas das minhas dúvidas.
O Wing Chun é umas das artes que me encanta desde mais novo, mesmo não tendo uma noção do que realmente era. Como o Lucas colocou ali em cima, também estou atrás de uma Escola daquela maneira.
Att. Matheus
Caro Matheus,
Vou comentar de uma maneira que não faço normalmente por aqui, analisando trechos de seus comentários:
"encontrei no seu blog uma capacidade ampla desconstrução crítica que sanou muitas das minhas dúvidas"
Realmente. Eu tive - graças a Deus e muito a contragosto inicialmente - de ser obrigado a fazer esta desconstrução. Primeiro quando tentei aplicar numa briga de rua o Karatê que treinava duramente no Dojo e não consegui. E, depois de ver no Wing Chun solução mágica para meus problemas com a luta, realizar que nenhum sistema isoladamente te diz o que é de fato uma luta livre.
Mergulhei durante muitos anos no Wing Chun, e de certa forma aceitei seu discurso proselitista e alienante. Até que no começo dos anos 90 comecei a enfrentar lutadores de outras tradições de luta, sentindo na pele as dificuldades que é pegar algo tradicional e fazer valer quando o outro cara não está muito afim de colaborar com você.
Mais tarde tive uma lesão no joelho direito que simplesmente me obrigou a parar de lutar o Wing Chun inicialmente por oito meses, e depois por dois anos. Por amar lutar parti para o Muay Thai, depois o Boxe, o Brazilian Jiu Jitsu, enfim, lutas competitivas que me fizeram olhar o que fiz antes com outros olhos. Eu comecei não a ver as falhas do Wing Chun, mas entender que eu praticava algo que não sabia como funcionava, porque seus golpes eram executados daquele modo e, principalmente, que muita coisa repetida no estilo é simplesmente falsa, e não pode ser provada matematicamente (!). Quando comecei a escrever isso na internet, muita gente passou a me odiar, inicialmente. Depois a entender, e por fim a copiar.
Neste período eu melhorei meus combates simplesmente fazendo mesclagens entre o Wing Chun tradicional que aprendi e minha própria experiência, conseguindo meus primeiros nocautes, junto com meus alunos, dentro e fora do Mo Gwoon.
Anos mais tarde eu pude estudar diretamente com dois alunos de SiTaiGung Yip Man fora do Brasil e isso mudou completamente meu modo de entender os métodos do sistema, que eu já dominava do ponto de vista da execução de movimentação. Abandonei tudo o que fazia antes em outras artes marciais para mergulhar naquilo profundamente e tornar o Wing Chun parte de mim. E por seis anos eu fiz isso todos os dias, a ponto de pegar uma grave lesão no quadril por esforço repetitivo. Mas não me arrependo, cada marca, cada cicatriz, são resultados de minha escolha de minha busca. Hoje, sigo meu próprio caminho, sem nunca apenas copiar um mestre, mas, entendendo-lhe o método, acrescentando sempre algo meu meu, pois sou uma pessoa que vive o que prega, o que ensina. Escrevo-lhe isso depois de fazer mais de dez rounds de luta só esta manhã. E que Deus me dê forças para encarar mais cinco horas de atividade entre aulas e treinos.
"O Wing Chun é umas das artes que me encanta desde mais novo, mesmo não tendo uma noção do que realmente era. Como o Lucas colocou ali em cima, também estou atrás de uma Escola daquela maneira."
Certos enlevos e alumbramentos não precisam ter explicação. Eles simplesmente acontecem, e são para ser assim, deste jeito. Apenas certifique-se que você estava certo, indo ver na prática se isso é o que quer nas artes marciais. Existem muitos caminhos, escolha aquele que case melhor com suas características e objetivos. Nunca entregue seu coração a apenas uma arte marcial; artes marciais são apenas maneiras de caminhar, nunca o caminho em si. E nunca deixe de ser honesto consigo. Quanto a achar uma escola, existe um ditado que diz: "Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece.
Sucesso em sua busca.
Forte abraço,
Marcos.
Ola Sifu Marcos Abreu, muita Força, muita Paz. Eu particularmente gosto muito mais das lutas de strike, muito mais bonitas. Mas vejo que o Wing chun ou qualquer luta de strike tem muita dificuldade contra lutadores de grapling, como o jiu jitsu ou Sambo, afinal, as lutas ou mesmo brigas irrestritas tendem a ir para o agarre. O cara ameaça e quando vê a brecha, vai no grap. Tem alguma experiência com lutadores dessa categoria? Conhece algumas estratégias pra lidar com esse tipo de luta para compartilhar conosco?
Grande abraço!
As máximas do Sil Nim Tao ensinam como se pode usar o tronco de forma correta, sem o uso exagerado de força e os desequilíbrios comuns do mma, como peso nas duas pernas, ombro, cabeça projetada para frente e dar força para ser usada.
Sem as máximas o estilo vira uma arte marcial comum, sem nenhuma vantagem técnica.
sou praticante de Hapkido faixa preta quinto Dan e já fui capoeirista. Respeito qualquer arte marcial e admiro, tiro elementos de todas para meu uso pessoal "realista" em caso de defesa pessoal. Já me defendi na rua com golpes característicos das duas artes, associei muitas técnicas de Wing Chung para ampliar meu repertório. Claro na academia cada arte eu pratico separadamente. O ringue foi feito e preparado para o Jiu Jtsu Grace uma grande arte, mas foi um artifício malicioso para "provar' ser o jiujtsu superior as outras artes. Eu já vi na rua lutadores de jiujitsu levarem uma surra terrível de brigadores comuns de rua, porque na rua não tem regra de ringue e o cara já sai chutando testículos, socando a cara, se safando daqui e dali e nocauteando. Qualquer lugar que não seja um ringue pode ser um campo de batalha, ringue é próprio com todo respeito para otário, hoje você vence amanhã pode até morrer na pancada, o que isso prova? saudações grade Marcão!
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