sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ascensão e Queda da Família Wing Chun

Eu estava lendo na comunidade Wing Chun Kung Fu no orkut as mesmas coisas sempre sobre as pessoas não entenderem como Yip Man pôde dar origem a dezenas de diferentes estilos de Wing Chun.

Eu esperava que as entrevistas que coloquei aqui no blog com a opinião de pessoas que conviveram diretamente com ele que foram entrevistadas por nós pudessem dar alguma luz sobre este assunto, pois a questão é muito mais simples do que parece. Nossos leitores daqui são em maior parte os mesmos amigos de lá, e mais umas duzentas pessoas que já leram o blog até o presente momento.

Lembrei então deste texto do próprio Sigung Duncan Leung, (que não é muito de escrever, mas machucou e já foi machucado o suficiente para que as coisas que escreve terem diferenciado conhecimento de causa) sobre a família Wing Chun datado salvo engano de 1999. Em geral fim de século é a época de se pensar sobre o futuro, e com ele não se deu diferente. Leiam o que Duncan pensa sobre coisas como: 1. quem está apto a ensinar wing chun. 2. O que ele pensa sobre quem tem o "verdadeiro" conhecimento. 3. O que o futuro pode reservar para a nossa arte marcial.


ASCENSÃO E QUEDA DA FAMÍLIA WING CHUN (VING TSUN)?

Durante o início dos anos cinqüenta em Hong Kong as artes marciais chinesas eram muito populares entre os jovens e a classe trabalhadora. Havia todos os tipos de estilos disponíveis como Hung Gar, White Crane, Dragon Style e Choy Lai Fut mas do Wing Chun ninguém tinha ouvido falar. Um jovem homem vindo de Foshan, China, Yip Man, estava lá naqueles dias. Ele aprendeu o estilo na China e mais tarde aprimorou seu treinamento com Leung Bik. Ele começou a ensinar na Associação dos Restaurantes. Mais tarde teve uma pequena escola própria em sua casa numa área de reassentamento com 100-150 metros quadrados de espaço. Anos se passaram, e ele havia ensinado uns poucos e bons estudantes; por isso o estilo estava se tornando conhecido do público. Naquele tempo diferentes estilos desafiavam-se, muitas vezes privativamente. Os primeiros estudantes de Yip Man como Lok Yiu e Wong Sheung Leung eram os mais ativos e foram bem em todas as lutas. A principal estação de serviço da Kowloon Motor Bus Company estava localizada a poucas quadras da escola de Yip Man e os trabalhadores foram os primeiros a aderir à escola depois dos trabalhadores dos restaurantes Depois os garotos, alunos da St. Frances Xavier, começaram a aderir, inclusive Bruce Lee e Hawkings Cheung. A economia ia muito mal naquele tempo. Refugiados da China entravam às centenas diariamente, e encontrar trabalho para todos era difícil. Os salários eram baixos e as horas eram longas. Isso tornava muito difícil para os alunos encontrar tempo para treinar. Os alunos adiantados como Leung Sheung, Lok Yiu Wong Leung Sheung e abriram suas próprias escolas e alguns, como Tsui Sheung Tin começaram a ensinar privativamente.

Em 1957 um outro dos primeiros estudantes de Yip Man, William Cheung, imigrou para a Austrália. No caminho um incidente ocorreu quando ele se trancou na cabine dos marinheiros e lutou com mais de dez deles. Isso foi parar em todos os jornais e então o Wing Chun ficou conhecido na Austrália em seguida. Aproximadamente um ano depois, Bruce Lee foi para os Estados Unidos. Os americanos foram expostos à sua habilidade nas artes marciais com a estréia da série Green Hornet (Besouro Verde). Ele começou a ensinar o estilo Wing Chun para celebridades e outras pessoas famosas na Califórnia. Mais tarde ele voltou para Hong Kong e fez vários filmes que chocaram o mundo. Pessoas do mundo inteiro estavam começando a ouvir falar sobre Kung Fu chinês, especialmente um estilo chamado Wing Chun. Depois que Bruce Lee morreu, um estudante de Leung Sheung chamado Leung Ting ensinou um estudante chamado Gainsburg na Alemanha e trazendo o Wing Chun para aquele país. Depois Victor Kan levou o estilo para a Inglaterra. O sobrinho de Yip Man, Lo Man Kam, levou a arte para a Suíça e Taiwan, onde morava. O Wing Chun estava se tornando a mais popular arte marcial no mundo. Nesta época, quando o Wing Chun atingiu o pico de popularidade, o Grande Mestre Yip Man morreu.

Antes de sua morte em 1972, Yip Man tinha parado de ensinar mas era consultado sobre Wing Chun. Ele teve uma vida dura nos primeiro anos em Hong Kong, mas em sua velhice alguns estudantes ricos como Dung Sing and Chan Jee Chu, detetives de polícia da Hong Kong Royal Police, começaram a apoiá-lo. Ele era considerado o chefe da família Wing Chun e teve alguns bons anos antes de sua morte. Infelizmente, ele não nomeou um sucessor para continuar a liderança do Wing Chun. É possível que ele não tenha encontrado ninguém que ele gostou, pode nunca ter encontrado alguém que era digno, ou ele apenas não estava preocupado com o problema nessa fase final de sua vida. Quaisquer que sejam as razões, Grão Mestre Yip Man foi realmente o último Grande Mestre do estilo. Depois de sua morte e com o passar do tempo os membros da família começaram a perceber que eles estavam sozinhos.

O Wing Chun hoje é uma grande família com escolas em todo o mundo. Qualquer organização bem sucedida precisa de um líder para unir a todos e ajudar todos a trabalharem juntos. Por uma série de razões, aqueles estudantes de Yip Man que deveriam ser os mais qualificados para nos unir e liderar-nos foram relutantes ou incapazes de fazê-lo.

Agora, 27 anos após a morte de Yip Man, a família Wing Chun está cada vez mais distante. Sem uma liderança, alguns começam a ensinar em sua própria maneira e alguns criticar os outros que não concordam com sua maneira de ensinar. Alguns até mesmo a desenvolver teorias que jamais Yip Man ensinou. Há também aqueles que afirmam que eles são os únicos "verdadeiros" professores de Wing Chun. Eles sugerem que os professores legítimos de Wing Chun são apenas aqueles que tem sido avaliados e qualificados. Infelizmente, tais afirmações retiram a credibilidade de todo o movimento e servirá apenas para dividir a família Wing Chun. É de um estilo de arte marcial chamado Wing Chun que estamos a falar, uma arte de combate. É preciso treinar e aprender por um longo período de tempo. É preciso que alguém o tenha usado na luta para ganhar a experiência de aplicá-lo. Isto é muito sério; pode levá-lo à vida ou à morte. Isto não é algo do tipo: você me dá dinheiro e eu tiro uma cópia para você. Qualquer um que tenha aprendido, treinado e lutado com isso por um longo período de tempo deve ter entendido algumas verdades da arte. Como pode alguém desacreditar toda a experiência dos outros e chamar a si mesmo de o único “verdadeiro” artista (marcial) no mundo e tentar liderar os outros com esta atitude?

O básico do Wing Chun está exibido nas formas que Yip Man nos deixou, mas os princípios e teorias foram instruídos verbalmente por ele. Cada um pode interpretar as idéias um pouco diferente. Estou certo de Yip Man ficaria feliz em saber se nós, que aprendemos com ele, continuamos com os benefícios que ele nos deu. Se pudéssemos ter uma boa liderança para unir todos em conjunto, trocar e aceitar cada outra experiência e idéias com mentes abertas, logo o Wing Chun poderia prosperar. Todo mundo se beneficiaria com o conhecimento. Sem esse vínculo forte e de apoio entre os membros da Wing Chun, os princípios e teorias Yip Man nos deixou serão diminuídos de geração para geração e um dia ninguém vai reconhecer o estilo. Então, o Wing Chun será apenas um nome na história das artes marciais.

Sifu Duncan Leung.

sábado, 13 de novembro de 2010

Entrevista com Darren Leung e Mestre Li Hon Ki

Olá, pessoal,

Achei aqui em meus arquivos uma entrevista com o Filho de Sigung Duncan Leung, o ator de cinema Darren Leung (Yip Man 2), quando de sua visita a Salvador. A entrevista foi feita no Mo Kwon do Mestre Alberto França Gomes e teve a participação de Sifu Li Hon Ki. A simplicidade das respostas de Sisok (tio-mais-novo) Darren refletem o que é o sistema Wing Chun. Reparem a visão realista que ele passa na comparação entre a luta dita "de rua" e a luta de competição. Bem diferente do discurso alienado da maior parte das escolas de Wing Chun. Boa leitura.

D= Darren Leung
L= Li Hon Ki
R= Repórter

R: Mestre Darren, a quanto tempo você
pratica Wing Chun?

D: Eu comecei aos doze anos, mas me interessava em praticar o sistema desde
os dez.

R: E quanto tempo levou para você se tornar um mestre no sistema?

D: Wing Chun é bastante complicado. É simples e complicado ao mesmo tempo,
então é difícil dizer quanto tempo se leva até a maestria em todo o sistema.
Apenas por ousadia eu não poderia dizer...

R: Como é ter seu pai como mestre?

D: Bem difícil. Antigamente ele era muito direto como Sifu e também em casa
ele é muito direto. Então, em casa, se você consegue imaginar, você pode
dizer qualquer coisa que se diga a um pai, porque ele é o mestre. E na aula
se você faz algo que esteja errado, você sente como se seu Sifu estivesse
tentando estivesse tentando ajudá-lo. Você sente como se seu pai estivesse
disciplinando você.

R: Então ele te corrigia à base do grito?

D: Não exatamente. Ele era mais cuidadoso comigo. Ele se certificava de que
eu soubesse exatamente o que eu podia. E que eu soubesse o máximo a respeito
das coisas, o que acontecia/.../

R: Mestre Li, como foi para você a experiência com o mestre Duncan?

L: Muito bem, eu tenho treinado Wing Chun por mais de trinta anos. Eu
treinei com 5 mestres, eles eram bem famosos, e então, quando eu encontrei o
mestre Duncan, eu pensei: “ é o mesmo, é apenas tentar que se consegue “,
vai ser fácil “. Mas foi bem difícil. Através dele eu conheci o verdadeiro
Wing Chun e abri minha mente para as artes marciais. Ele me ajuda bastante.

R: Como você o compara a Yip Man?

L: Yip Man era o mestre ao estilo antigo. Ele não gosta dos alunos
perguntando isto ou aquilo. Ele ainda poderá conversar um pouco se estiver
muito feliz, num determinado dia. Mas para Duncan eu posso perguntar
qualquer coisa. Durante o tempo que eu treinei com Duncan, eu morei em sua
casa, com sua família. Ele sempre dormia tarde e assistia TV. Se de repente
eu tivesse alguma pergunta, eu poderia perguntar a ele, e ele sempre me
explicava com o máximo de detalhe. Por isso eu pude melhorar meu Wing Chun e
as outras artes marciais. Eu sou muito grato a ele.

R: Você poderia nos contar um pouco sobre a personalidade do mestre?

D: sua personalidade é, digamos, temperamental. Na falta de um termo melhor,
essa é a palavra que pode definir. Ele também é o tipo de pessoa que pode
fazer algo continuamente, não importando o quão chato seja. Enquanto ele
estiver interessado, ele pode fazer algo por todo o dia a fio. O que eu
quero dizer é: se ele gosta de uma sopa, ele vai tomar a mesma sopa, todo
santo dia e ele ama isto. A mesma coisa com Wing Chun, tudo que ele faz é
Wing Chun, e nunca se cansa.

L: Exatamente o que todo aluno gostaria de se tornar, perfeito. Às vezes é
muito difícil, por que ele é muito, muito bom e eu penso que seu espírito é
nascido para as artes marciais, e mesmo que tentemos copiá-lo, não seguimos
alcançar. Eu treinei pesado, tentei alcançar um pouco mais, mas é muito
difícil mesmo. Ele nasceu para isso. E ele quer todo mundo exatamente como
ele. Ele é muito esperto e inteligente. Ele tem uma grande facilidade de
aprender, e é por isso que eu acho que ele pensa que tudo é fácil, todos são
como ele, tão perceptivos quanto. E se nós cometemos um engano, ele não
aceita e se torna mais duro no treinamento. É por isso que às vezes eu me
sinto pressionado, mas me mantenho fazendo o meu melhor para fazê-lo um
pouco mais feliz.

R: Mestre Darren, você já praticou outras artes marciais?

D: Sim, a razão foram os filmes, pois eu sou orgulhoso do meu Wing Chun.

R: Somente o Wing Chun...

D: Claro, eu cresci convivendo com o Wing Chun, era do que eu brincava na
escola, queria imitar, e quando estava crescido o bastante, aos doze anos,
eu comecei a treinar e era todos os dias Wing Chun. É onde meu coração está.

R: Então os outros sistemas não te interessam tanto quanto o Wing Chun?

D: Eu acredito que um sistema é exatamente o que é: um sistema. Então, por
exemplo o Louva-a-Deus, eles tem seu próprio modo de fazer. Então numa
explicação você vai ouvir: “ este punho é para isto, este golpe é para
isto...” Isto funciona para o sistema, é como construir uma casa. Se você
constrói uma casa de uma determinada maneira, tudo ao redor da casa deverá
ser construído da mesma maneira. O Wing Chun tem uma casa a seu próprio
estilo, com as linhas centrais, linhas diretas. A maioria dos estilos tem um
sistema fechado, o Wing Chun tem o seu próprio sistema fechado. Eu o
considero basicamente igual, pois...

R: Uma casa é uma casa...

D: Isso, uma casa é uma casa.

R: Em que outras artes chinesas você tem formação?

D: Um pouco de pintura, caligrafia. O que eu posso dizer com mais certeza é
que eu falo chinês e...

L: Cozinhar... ( risos )

D: Sim, eu cozinho, porque tudo é frito, bem fácil.

R: O que você sente a respeito da luta de rua?

D: Luta de rua..

L: é apenas luta

D: é luta

L: Você dispõe de um menor tempo para derrubar o oponente.

D: a maior parte da luta de rua é isto, eles dizem: “ei, eu não gosto de
você, vamos lá fora nos encarar, esteja pronto, eu estou pronto. Vamos lá.”
Luta de rua é estar conversando com um cara num bar, você o provoca, ele
provoca você e de repente alguém soca. Acabou. É realmente uma luta, e os
caras realmente estão indo lutar, mas não é como uma luta de campeonato.
Muitos dizem que uma luta de torneio não é tão boa quanto uma luta de rua,
porque não é real, com todas as luvas e regras. Mas num torneio, você tem
que estar 100% preparado, porque o outro cara tem treinado, ele está pronto
para você, se preparou 100% para lutar com você. E ele está perfeitamente no
seu tempo, então esteja no dele. É terrível. Uma luta de rua é provavelmente
mais fácil do que um full-contact.

R: Você já se envolveu em brigas de rua?

D: Não recentemente.

R: Não recentemente, mas já se envolveu.

D: É, mas nada de especular, coisa de criança.

R: Mas voltaria a se envolver.

D: Hoje em dia não, as coisas são muito diferentes da minha infância.

R: Algumas pessoas acreditam que Yim Wing Chun nunca existiu, que ela teria
sido uma invenção dos praticantes para confundir os manchus. O que você pode
dizer a respeito?

L: Eu não posso dizer sim ou não porque eu amo as artes marciais, e estou
sempre praticando e lutando nos torneios, e não tenho tempo para me
certificar da história, por que os chineses antigos que praticavam artes
marciais não estudavam, apenas praticavam, não havia escrita, somente luta,
então toda história era passada oralmente. Então eu não posso provar nada
sobre essa questão, mas é mais fácil para mim acreditar que sim, já que foi
o meu mestre que me passou, e é o que eu passo para os meus alunos. Mas não
posso provar se é verdade ou não.

D: O que ele quer dizer é que o mais importante é a raiz do sistema. O
conceito por inteiro é que você pode fazer o maior dano com o menor esforço.
Essa parece a razão para se acreditar que tenha sido inventado por uma
mulher. As mulheres podem ser muito eficientes. Eu mesmo treinei com garotas
e mulheres que eram muito eficientes, mesmo tendo aprendido somente um pouco
do sistema, o estilo funciona. Não faz tanta diferença ficar questionando a
existência ou não de Yim Wing Chun.

R: Qual o objetivo da sua vinda ao Brasil?

D: Eu vim pelo mestre Li, que tem muitos conhecimentos e experiência. Tanto
no nosso sistema como em outros. Eu sei que posso confiar nele, num mundo
onde há centenas, talvez milhares de escolas diferentes, como eu posso saber
se devo confiar nelas? No mestre Li eu sei que posso confiar e que o estilo
está em boas mãos.

R: Vocês poderiam mostrar isso aqui, numa luta?

D: Com esse cara? Eu quero é umas aulas... (risos)

L: Eu tento fazer meu melhor para... eu não posso dizer ensinar, uma vez que
ele é o filho de meu mestre e eu respeito muito por isso. Eu apenas troco
alguma idéia, minha experiência neste mundo. Eu aprecio diversos estilos,
porque eu amo as artes marciais. Então é por isso que eu posso trocar alguma
experiência com ele. Não posso dizer que o ensino.

R: Uma pessoa poderia aprender Wing Chun por um livro, através do seu
próprio intelecto?

D: Uma questão interessante. Inclusive eu estou trabalhando num manual de
compreensão para o passo-a-passo do sistema que fique documentado do início
ao fim, porque o Wing Chun hoje em dia está desunido, fora de padrão. Ele (
mestre Li ) começou com cinco outros mestres. Quatro ou cinco mestres
diferentes antes de encontrar o meu pai. E qual desses Sifu que sabe mais?
Qual está certo, qual está errado? Isto não importa. O que eu quero fazer é
dar a certeza de que nosso sistema estará unificado, porque, você sabe, duas
pessoas podem aprender a mesma coisa, mas aí elas saem. Então ensinam a mais
duas pessoas e essas a mais duas, e assim por diante, então toda família se
torna dispersa, eu estou tentando manter todos numa mesma linha para manter
o que meu pai disse, então eu quero documentar isso.

R: Houve uma certificação dos dados corretos?

D: Absolutamente. Porque em cada passo do caminho, eu contei com meu pai
para ter certeza se os conceitos e a história estavam todos registrados e
corretamente. E muito disso é basicamente um trabalho em progresso e ele
ainda teve a seriedade de gravar muita coisa em fitas, as quais ele olhou,
procurando principalmente detalhar e colocar os movimentos dentro de suas
situações, pois as figuras de livros muitas vezes podem gerar idéias erradas
para as pessoas que se deparam com elas, então eu as pus abaixo. E de casa
você pode mandar mensagens no nosso quadro de mensagens. As pessoas
escrevem, fazem perguntas sobre Wing Chun.

R: É possível para um praticante obter o modo ser do Wing Chun apenas por
esse manual?

D: A idéia é que o manual sirva como uma luz sobre o conhecimento da
intenção dos movimentos no Wing Chun, não quer dizer que você possa aprender
apenas lendo, é impossível, é como você pegar um dicionário e dizer que já
fala inglês, isso não acontece. O Wing Chun tem um coração, você não pode
aprender um coração por um livro, sem ter a experimentação junto às pessoas
que também praticam.

R: E finalmente, vocês têm alguma mensagem a deixar para os praticantes de
Wing Chun?

L: Bem, eu apenas desejo que todos os alunos, toda a família, permaneça
sempre junta, porque meu mestre me ensinou Wing Chun, eu ensino Wing Chun
aos meus alunos... o mais importante é manter vivo o Wing Chun, eu não
gostaria que parasse na minha geração, mas muitas vezes eu encontro meus
alunos, mesmo os de São Paulo discutindo, de vez em quando eles estão
discutindo, é por isso que eu gostaria de dizer a todos os meus estudantes
que nós devemos permanecer juntos para mostrar poder, poder para as outras
pessoas, isto é o mais importante, porque se a família cai Wing Chun cai
junto.

D: Eu gostaria de dizer algo em complemento. É óbvio que o treinamento é
duro, mas há duas coisas sobre tudo: respeito e manter a mente aberta. Se
você não pensa, não consegue manter a mente aberta. Eu tenho que respeitar
todos a meu redor, tenho que respeitar os outros estilos. Afinal, eu não sou
a única pessoa no mundo, esse tipo de pensamento não funciona, não ajuda em
nada. Você não pode unificar uma família e manter todos juntos sem respeito.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

"Applied" Wing chun - texto de Sibak Josh Shaw

Estou traduzindo um ótimo texto publicado por meu Sibak Josh Shaw em seu blog ainda em construção. Embora seja de uma simplicidade muito óbvia, este texto explica e reflete claramente o que é o "Applied" Wing Chun. Junto a meus irmãos Wing Chun Marcelo Florentino e Claudio Rangel moramos com Josh na China durante nosso treinamento e vimos o quanto Josh é bom em luta, pois consegue aplicar tudo o que treina em combate. Suas técnicas com o cotovelo são desvastadoras, e ele as aplica em luta com uma calma e facilidade incríveis. Como tudo que eu quero publicar aqui seja de gente que vive o mundo real do Wing Chun, espero que os amigos leiam e gostem. Segue abaixo o texto traduzido:

Este site é simplesmente para deixar as pessoas saberem que estou aqui. Meu nome é Josh Shaw eu venho tomando lições de Wing Chun desde Janeiro de 1992 com Sifu Duncan Leung. Eu pedi a sua permissão para iniciar uma escola e continuar a ensinar o nosso estilo de Wing Chun. Sifu Duncan tem me ensinado e a muitos outros do modo que ele aprendeu de Sigung Yip Man e eu estou ensinando do modo que Sifu Duncan tem me ensinado.

Eu não vejo razão para reinventar a roda então a classe está basicamente correndo como sempre esteve quando ele tinha sua escola e eu estou confiante que qualquer um interessado e dedicado pode aprender e ser um lutador eficaz através do entendimento dos princípios e do treinamento dos seus reflexos com outras pessoas.

A razão pela qual Sifu Duncan cunhou a frase Wing Chun “Aplicado” (Applied no texto original) é porque cada técnica que ele ensina foi testada e aplicada por ele. Muitas pessoas praticam artes marciais por diferentes razões. Algumas o fazem por exercícios, algumas o fazem pela arte, algumas ainda o fazem para dizer que praticam uma arte marcial. Muitos dos outros praticantes de Wing Chun ao redor do mundo pode falar sobre teoria o dia inteiro e eu muitas vezes concordo com o que elas estão dizendo. O problema é que muitas destas pessoas não podem traduzir esta teoria em aplicação prática. O caminho do nosso treinamento é aprender como lutar. A maior parte do que fazemos é treinado com duas ou mais pessoas juntas e nós interagimos uns com os outros. Isto cria um senso de timing, reação e pressão quase que desde o começo. Numa luta real não há tempo para considerar que técnica você quer fazer então treinamos de novo e de novo até que o movimento entre em seu sistema nervoso e se torne a sua reação natural. A partir do momento que aplicamos estas técnicas nós somos Wing Chun Aplicado.

Qualquer técnica que eu tenha feito na luta sempre tem funcionado tanto quanto eu a fiz como me fora ensinado. Meu professor é o melhor que eu já vi e eu estou confiante em todas as técnicas que eu ensino como eu posso explicar o que você está tentando realizar e por quê. Comigo, você é o que você pode pegar. Eu não vou recuar ou te dar alguma m... sobre algo que eu não sei. Até agora eu não tive uma questão que eu não pudesse responder a mim mesmo mas quando isso acontecer eu serei honesto sobre isso e é claro que eu sei onde conseguir a resposta quando for a hora.

Venha ser uma parte de algo e experimente a fraternidade em que você ingressa quando se envolve com algo assim. Nós somos uma família Wing Chun e eu encorajo uma família orientada mentalmente na classe e para além do ginásio (incluindo os boxers lá*) Sem drama e sem sentimentos pesados. Você aprenderá o quão rápido puder pegar baseado na sua dedicação e habilidade. Ou você pode assistir de graça uma aula e ver se isso é ou não para você. Eu estou feliz em responder qualquer questão que um observador pode ter, então sinta-se à vontade para vir e observar calmamente ou perguntar alguma coisa se você tiver alguma.

*Sibak Josh ensina Wing Chun em uma academia de Boxe em Norfolk, USA.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

UM MÊS COM O GÊNIO NEGRO DO WING CHUN

Sifu Marcos Abreu conta em entrevista sobre seu treinamento na China em companhia dos Sifu Marcelo Florentino e Cláudio Rangel, sob a orientação do mais testado e menos divulgado dos discípulos de Yip man, Duncan Leung. Lá o parceiro de lutas de Bruce Lee falou do filme sobre seu mestre, e surpreendeu com declarações polêmicas, publicadas com exclusividade pela Fighter Magazine*.

FM: Qual o objetivo da viagem de vocês à China?

SM: Estivemos por mais de um mês em Foshan (a cidade onde o Wing Chun se desenvolveu na segunda metade do séc. XIX), para treinar especificamente a aplicação da luta em combate mano a mano, orientados por Sigung Duncan Leung, Mestre de nosso Sifu Li Hon Ki. Nós contávamos com a ajuda de quatro lutadores profissionais de Muay Thai, um deles sendo o atual campeão mundial em sua categoria de peso, e um três vezes campeão. Era uma dura rotina de seis horas por dia, tivemos muitas dificuldades, mas foi gratificante. Sigung Duncan disse que sairíamos de lá pessoas melhores, mas só no final do período pudemos entender o significado daquilo que nos disse.

FM: Foi uma mistura de Wing Chun com Thai boxe?

SM: Não, definitivamente. Os lutadores de Thai tinham a função de nos ajudar atacando de forma realista, durante o treinamento com equipamento, e fazendo sparring livre. O objetivo era justamente aplicar o Wing Chun tal como ele é contra os ataques mais comuns de uma luta especializada em ringue. Muitas escolas de kung fu estão virando variação de kickbox com quedas, pelo fracasso do jeito tradicional de lutar, e no caso do Wing Chun, a sua característica conceitual leva as pessoas a fundi-lo com tudo, mas isso no geral também é usado como desculpa e esconde os defeitos das escolas. Na nossa escola, o objetivo é mais modesto, e ao mesmo tempo mais nobre, Duncan Leung não quer que sua arte morra com ele, por isso treina os professores não só para combater simplesmente, mas combater aplicando e entendendo como funciona a técnica original do Wing Chun, sem sincretismos.

FM: Qual o resultado dos combates?

SM: Se você entender que os combates não visavam uma comparação entre o estilos em termos de finalidades, posso dizer que foi bem proveitoso. Não podemos nos comparar a lutadores profissionais, inda mais quando se tratam de lutadores top. Era fácil ver a diferença entre os estilos e os pontos fortes de cada um. Continuo com a minha visão que o Wing Chun é para situações mais amplas que envolvem o conceito defesa pessoal, embora estivéssemos lutando como strikers, com luvas de boxe, e o treinamento tivesse uma clara orientação para ringue, e nós mesmos gostemos de ir ás competições. Mas como estávamos lutando contra lutadores realmente diferenciados, apanhamos um bocado, porque tínhamos de tentar de todas as formas aplicar a técnica, estávamos arriscando coisas novas, mas tivemos também nossos momentos, e os mais experientes tinham uma grande facilidade para usar, por exemplo, o cotovelo à curta distância e toda espécie de golpes nas articulações, a própria mecânica da luta favorece isso, mas era preciso cautela, porque não há como treinar isso plenamente, os thai boxers eram nossos parceiros, não inimigos.

FM: Duncan orientava vocês durante os sparring?

SM: Sim, ele é um motivador nato, acredita muito no treinamento e na insistência. Quando íamos mal, Duncan nos dizia: “Tiveram um dia ruim? Hora, relaxem, vocês estão tentando isso contra profissionais. Lutar é um jogo. Na juventude, eu tentava os chain punches e voltava para casa com o nariz sangrando, mas duas semanas depois, era eu quem fazia o outro cara sangrar. Se você não o pega amanhã, pega depois, senão amanhã daqui a mês, senão daqui há um ano. Isso era luta para mim, quando era garoto. Quando conseguirem controlar o medo, saberão que não há limites para vocês. Vão para casa e pensem nisto esta noite.”

FM: Parece um bocado diferente do discurso filosófico e ordeiro do Wing Chun atual.

SM: Para Duncan, só existe dois tipos de Wing Chun; o que funciona, e o que não funciona, ele não liga para origens, discursos, porque ele não vive de arte marcial, ao contrário de auto-intitulados “grão-mestres”, título que o próprio Yip Man nunca usou. Duncan é um empresário de sucesso, e a filosofia do Wing Chun para ele se resume a uma questão: “Você consegue aplicar numa luta de verdade aquilo que treinou na academia?” Esta foi a preocupação chave dele desde que começou com Yip Man, ainda criança. Ele lutou centenas de vezes, não apenas em torneios, mas naquelas lutas de vida ou morte, em diferentes situações de combate armado ou com mais de um oponente, por duas décadas, parando por volta dos trinta anos, como uma espécie de Musashi moderno, e ouvimos muitas histórias de seus alunos sobre suas lutas. Ele é um sobrevivente, sua importância no Wing Chun é definitiva, Yip Man já dizia isso pouco antes de morrer, e ainda assim ele acessível e humilde, apesar da personalidade forte. Na hora do almoço, por exemplo, todos vinham esgotados do treinamento e enchiam seus pratos, e sobrava pouca coisa na mesa, claro. Então Duncan se levantava calmamente, depois de todos terem comido e estarem satisfeitos, e ia lá e fazia seu prato. Aquilo me marcou muito. Filosofia não é conversa sobre yin, yang ou monges de duzentos anos atrás, é atitude, postura. A filosofia do wing chun é eminentemente prática.

FM: Mas existem diferenças técnicas visíveis entre todas as escolas que vieram de Yip Man, e todos dizem que funciona, e que seu jeito é o correto. Qual a razão disto ocorrer?

SM: Nós perguntamos a mesma coisa a ele, essa é uma pergunta muito recorrente no wing chun, todos tem sua teoria, mas a resposta dele foi muito simples, muito categórica, e falou com aquele vozeirão que ele tem, entre baforadas de cigarro: “Vocês querem saber a verdade? A verdade é que Yip Man não se importava”. Muita gente fala muita coisa, que Yip Man teria guardado o segredo somente para alguns, ou que a luta varia de acordo com a interpretação, mas a realidade é que ele não estava nem aí, e isso é tudo. “Se alguém tinha uma dúvida, Yip Man dizia: vá para casa, pense, e amanhã me traga a resposta. No dia seguinte, o cara vinha, mostrava o movimento e ele dizia: - Ora, você é um gênio, é o melhor!” Mas na verdade, estava pouco se lixando, então cada um faz do jeito que acha que é certo, mas Yip Man não ensinou sua arte em profundidade a essas pessoas e são justamente essas mesmas pessoas que difundem o estilo pelo mundo afora. Se alguém vinha e dizia que queria lutar, ele dizia: “Ok. Faça Chi Sao, faça forma...” mas Duncan explicou-nos que essas coisas sozinhas não ensinam ninguém a lutar. Yip Man via muitos de seus alunos com poucos meses de treino abrindo escolas muito perto da dele, e isso o deixava muito triste. Quando chegou a Hong Kong fugido da China comunista, dormia na frente de um templo, na sarjeta...Ele tinha sido um aristocrata, não sabia fazer nada além de arte marcial. Até que Leung Sheung, que seria seu primeiro aluno em Hong Kong, ajudou levando-o ao sindicato dos restaurantes, onde passou a dar aulas, por 8 ou 12 Hk dólares...por mês!

“Yip Man era um junkee, viciado em ópio”, ele continuou. Era algo comum naqueles tempos, um costume ligado a uma época que estava morrendo na China. Ele não tinha condições de manter esse vício, porque era muito caro. E ele sofria mais ainda com sua mulher, que tinha o vício em total descontrole. “Quem podia suportar isso?”

FM: Então a história não é tão bonita quanto se conta...

SM:Não. Duncan demonstrou uma maturidade incomum para a sua idade quando foi até Yip Man pedir para abandonar o treinamento, pois achava que o Wing Chun não prestava para combate, já que nas lutas contra outros estilos, nunca via ninguém ganhar de forma realmente convincente. “Ora, tenha paciência, em poucos anos ficará bom, porque tem talento”. Então Duncan disse: “Muitos dos meus irmãos mais velhos já estão aqui há alguns anos e não são bons”. Yip estava muito surpreso. Ele perguntou então ao garoto de treze anos.“Você tem 300 dolares aí?” Duncan não pestanejou e disse que sim, e o velho mestre passou a pacientemente lhe ensinar, Duncan por sua vez ia testando seus novos conhecimentos nas ruas, e eles se tornaram grandes amigos, Duncan o tratava como um pai, e ele tornou-se seu primeiro discípulo de “portas fechadas”, após passar por todas as fases rituais do Bai Si, a cerimônia tradicional de discipulado. Muita gente passa a imagem de que Yip Man era um velhinho sábio, infalível e sem problemas, e fazem isso porque querem manter as aparências, mas Duncan não precisa disso, ele não tem papas na língua. Ele nos passou a imagem de alguém mais humano. Yip Man jamais ensinaria como aplicar a arte plenamente em combate se não fosse pago suficientemente, e se a pessoa sobretudo não valorizasse demais aquilo que aprendia. Mas quero ressaltar que não era uma questão apenas de dinheiro, tanto é que ele escolheu pelo menos um discípulo a quem ensinou todo o “applied” wing chun de graça.

FM:Quem?

SM:Seu nome é Alan Lee. Yip Man sempre o via varrendo o chão da academia de um de seus alunos (Lok Yiu, morto em 2006), e aquilo o impressionou. Entretanto, como Yip Man àquela altura já estava muito velho, ele não tinha força física para mostrar como aplicar as técnicas para combate, então ele fez uma lista com cinco de seus principais discípulos que eram jovens o suficiente para ensinar. Duncan estava no topo da lista. Ele então foi procura-lo, e o resto é história. Ele estava lá e nos treinou também.

FM:Então esta história que a idade não faz diferença no wing chun...

SM:A força faz diferença. “Vocês já ouviram que Yip Man dizia que não era preciso força para lutar Wing Chun? Essa idéia é estranha para vocês?” Não, nós respondemos, muita gente fala isso. “Mas Yip Man não disse isso, o que ele disse é que você não tem de se opor à força, o que é muito diferente” Força é algo fundamental no Wing Chun. E então Duncan nos explicou de modo muito simples toda a teoria de combate do sistema. Isso nos deixou a todos muito honrados, e ficou muito evidente o prestígio que nosso Sifu Li Hon Ki tem com Duncan.

FM: E o filme sobre a vida de Yip Man, lançado com Donnie Yen no papel principal, o que Duncan achou dele?

SM: Já saiu o segundo mas do primeiro ele disse, “Bullshit” (risos). E quando insistimos, ele repetiu, muito calmo, enquanto nos interrompia: Bullshit. Curiosamente, dias depois, durante o nosso treinamento, vimos um homem com um jeito meio Bruce Lee e mostrava ao Alan Lee seus movimentos de Wing Chun. Alan apenas mandava que ele tentasse aplicar aquilo, para logo depois rir bastante, porque obviamente não funcionava, e ensinava o mesmíssimo movimento, só que feito do jeito correto. Depois soubemos que o sujeito era coreógrafo da continuação do filme de Yip Man, que estava lá a convite do Darren Leung, filho de Duncan e que na época trabalhava na continuação do filme. Filmes servem para divulgar e como um saudável entretenimento, mas aquilo que se vê nos filmes não serve para a luta de verdade. Eu particularmente acho ridícula uma cena em que Donnie fica fazendo um milhão de socos num carateca já caído no chão. Para que socar daquele jeito se o cara está no chão? Isso expõe o grau de alienação técnica que há no público regular de wing chun. Mas como entretenimento é bacana...

FM: E daqui para frente, quais os planos de vocês?

SM: Continuar melhorando o nível técnico do Wing Chun no Brasil. É o nosso desejo, e foi nisso que estava pensando quando aceitei o convite de meus irmãos mais velhos no kung fu para ajudar a fundar, com autorização do nosso mestre, a Applied Wing Chun Brazil, que foi idealizada com um estatuto moderno pelo Marcelo Florentino, um dos primeiros praticantes de brasileiros, um cara muito experiente, muito técnico e que tem uma grande escola em São Paulo. Este estatuto tem uma preocupação com a ética que é inédita. O Cláudio Rangel, atual presidente da nossa associação, coordena nossas ações e é um estrategista, além de ensinar privativamente também. Adorei conhece-los pessoalmente na China, e eles me ajudaram muito em tudo, tanto com o idioma inglês que ainda não domino plenamente, com os problemas de viver num país estranho, aprendi com eles, eles compreendem muito o mundo do Wing Chun e têm de mim todo o respeito e admiração. Há também o Alberto França, que foi meu primeiro professor, me apresentou Li Hon Ki e o convenceu a me ensinar, doze anos atrás. França desbravou o Wing Chun no nordeste literalmente na pancada. Eles são humildes, respeitam verdadeiramente Sifu Li Hon Ki. Eu procuro ajudar no que posso, porque meu foco ainda é treinar e melhorar meu jogo, mas você não treina em alto nível no Brasil se não cria condições para isso. Acho que Sifu Li Hon Ki está feliz conosco, de termos nos unido, porque ele nunca gostou de divisão dentro da família. Ainda assim, eu tenho uma boa relação de amizade e respeito com a maioria dos meus outros irmãos que preferem não trabalhar conosco.

^FM:O Wing Chun que Li Hon Ki ensina é voltado para competição?

SM:Isto é um ponto importante. Li Hon Ki nos ensinou da maneira tradicional. Vamos para a competição porque o perfil do nosso wing chun provoca isso, porque as pessoas querem lutar para se testar, mesmo sabendo que a competição não é o ambiente ideal para o Wing Chun, como não é para lutas de perfil e objetivos parecidos, como o Krav Maga, por exemplo. Há anos os principais alunos de Li Hon Ki no Brasil foram ás competições de kung fu, e mesmo nosso mestre não tendo tempo para nos ajudar mais diretamente, pois ele não trabalha diretamente com o Wing Chun, ganhamos muitos títulos contra nossos irmãos de outros estilos de kung fu. Perdemos também, mas todos os que lutaram têm pelo menos um título. Mas hoje está mais difícil, porque as escolas evoluíram e fazem luta de competição de alto nível, abandonando o jeito tradicional de lutar e adotando técnica de ringue de lutas consagradas como boxe e thai. No Wing Chun isso não é possível, pois os objetivos da arte exigem estruturalmente um repertório técnico/biomecânico muito peculiar.

FM:Pode explicar melhor?

SM:O soco é diferente, o padrão defensivo também, porque tem grande influência da luta de facas duplas. O ambiente de luta do Wing Chun pressupõe uma desvantagem do praticante, seja de força, seja de número ou de meios, ele é funcional porque segue um método que pode fazer você recombinar padrões defensivos complexos com facilidade, que servem tanto para socos e chutes quanto para armas, e no contraponto os contra ataques são muito simples e fáceis de executar. Amplitude de possibilidade de ação é o ponto forte da luta, mas também é a sua maior limitação para o aspecto de competição com lutas mais especializadas. Como manter nossa arte viva e em sincronia com a evolução no jeito de ver as artes marciais com a popularização do MMA, por exemplo? As pessoas têm respondido essa pergunta abandonando a aplicação da técnica tradicional, mas para nós essa não é resposta.

FM: O que você acha da atual situação do Wing Chun no Brasil?

SM: A realidade do Wing Chun hoje em dia é a venda de certificados ou adoção de franquias internacionais por professores antes charlatões, que batem foto com mestre famoso que vem ao Brasil ganhar 20 mil reais num final de semana, para depois sairem abrindo escolas por todo o país, mas não tem experiência com Wing Chun de verdade ou qualquer experiência de luta, seja na rua, seja no ringue. Como você vai ensinar alguém a luta se você mesmo não sabe? Como vai ensinar a defender se nunca teve de se defender? Isso vai acabar criando outra geração de alienados marciais, “esquizotéricos”, para usar uma expressão do meu amigo José Augusto Maciel Torres. Sou totalmente contra essa idéia de filme que o cara entra em contato com um mestre e de uma hora para outra se torna indestrutível. Isso é ilusão! O que existe é um trabalho duro, de anos, para você transportar o âmago de uma arte marcial para um outro país, uma outra cultura. No meu caso e de meus irmãos wing chun, somos os primeiros ocidentais na linha de sucessão. Quem não admite que há um choque cultural estará mentindo. Muita gente também procura nosso Sifu para treinar e não acha importante trocar idéias e experiências conosco, que somos mais velhos já passamos por todo este processo antes. Eles não têm idéia do quanto uma atitude destas custa em termos de tempo para compreender a arte, o quanto elas atrasam a vida de seus próprios alunos apenas para supor uma exclusividade, um nome ou uma marca. As pessoas querem fazer oba-oba em torno do nome do mestre e ganhar dinheiro, não querem aprender seriamente. Esta é a realidade do Wing Chun, todo mundo sabe disto, mas ninguém fala. Pergunte a noventa e nove por cento do mestre como foi sua formação e ouvirá uma história mal contada. Mas todos eles tem um diploma comprado no exterior.

FM: É essa a visão que você passa no livro Kung Fu Wing Chun?

SM: Uma visão mais realista? Sim, é isso. É preciso frisar que essa é uma obra que está sendo vendida nas bancas, especialmente para o público leigo, e tem uma linguagem mais acessível, simples, do que teria uma obra mais densa, mas eu particularmente queria romper com a visão de estilo da porrada maluca, que acaba com tudo e com todos em segundos, porque além de não ter nada a ver com a luta em si, é uma propaganda muito canalha, desonesta, mesmo, não condiz com a real técnica, mas ainda é vigente no mundo inteiro, e nos fez de piada no mundo das artes marciais, a realidade é essa.

FG: Dizem que o wing chun é para a luta real, onde não haveria regras etc.

SM:Este raciocínio não é de todo incorreto, mas o que é luta real pra você, uma luta sem regras? Você acha que um lutador profissional não saberia jogar sujo se quisesse? Apesar de potencialmente mais perigosa, este tipo de luta em geral te dá no máximo um olho roxo. Uma luta de vale tudo não parece real para quem está lutando? Eu prefiro usar a expressão combate em ambiente “não-controlado” ou “irrestrito” porque envolve todo tipo de situação de combate.

As pessoas falam: “O Wing Chun é pra rua”, em geral para justificar o fato de não ser muito adaptável para lutas profissionais. Mas eles não sabem o PORQUÊ do wing chun ser mais voltado para este tipo de confronto, não sabem explicar isso analisando os golpes, a estratégia. Foi isso que tentei fazer, relacionando teoria e prática. Toda arte marcial traz uma resposta pronta para determinado problema na luta, não é tudo o que se pode fazer numa luta. Este é o ponto chave, que os alienados do Wing Chun não entendem. Você não vê as pessoas criticarem o Aikido, por exemplo, por não estar no MMA, e isso acontece porque eles não tentam ser aquilo que não são, ao contrário dos mestres de Wing Chun que dizem que matam qualquer um em três segundos, mas é só papo furado.

Todo bom policial que conheci gostaria de conhecer o Aikidô para poder fazer seu trabalho melhor e dominando fisicamente sem machucar os suspeitos e sofrer punições por isso. Continuando o mesmo raciocínio, você não vê lutadores de se boxe se embolando no chão num ginásio. Mas ninguém pensa em entrar numa competição de MMA sem saber boxear, entende o que eu digo?. Eles tentam ser fortes naquilo que são bons, porque tem técnica para isso. No Wing Chun, os caras sequer fazem luta dentro da academia, e querem dizer que vão matar um profissional de luta chutando seu saco, enfiando o dedo no olho??!! É ridículo, óbvio! Infelizmente o Wing Chun ainda é a arte que atrai a maior quantidade de malucos por metro quadrado. Mas podemos mudar isso.

FM: O livro alcançou seus objetivos?

SM:Queria que os leigos sentissem que esta arte pode servir para quem não tem grande dotes físicos, pessoas comuns, esta é a idéia da luta, que não é preciso ser muito talentoso para ter sucesso na arte marcial, e tentei dizer isso com menos discurso e mais técnica, mostrando como funciona. O livro é um sucesso nos países onde foi lançado, mas é o wing chun que está de parabéns, porque é uma obra muito honesta, e é o que mais está faltando no wing chun hoje, honestidade na proposta, e no modo de divulga-la, e isso acaba beneficiando a todas as pessoas sérias que trabalham por nossa arte.

*a matéria estava no prelo antes da extinção do título veiculado nas bancas.

Entrevista Duncan Leung

DESARQUIVANDO DUNCAN LEUNG

O CONTRADITÓRIO “GÊNIO NEGRO” DO WING CHUM FALA SOBRE YIP MAN, BRUCE LEE E O QUE HÁ DE ERRADO COM SUA ARTE.

“Eu me lembro muito bem das duas primeiras vezes que briguei com alguém armado de faca. Ao invés de fugir como antes, eu lhe mostrei uma faca”.

“Eu pude sentir meu corpo inteiro congelar. Meus braços e pernas de repente se sentiram tão fracos que se meu oponente se contraísse, meu coração tentaria pular fora do peito”.

“Eu fico pensando: ‘Será que a lâmina é muito amolada?’... ‘Como seria se eu me cortasse? Minha boca estava bem seca. Eu pude ver que os olhos dele também estavam cheios de medo...’”.

Tirado da introdução do Manual de Luta com Faca de Duncan Leung de acesso apenas a soldados e policiais.

Duncan está sério. Ele não sorri, ele não está brincando.

Hoje em dia ele é um esbelto fumante de 52 anos, de pouco cabelo e bigodes grisalhos. Não é velho, não é novo, mesmo assim ainda está comandando.

Parte disso deve-se a sua voz profunda – parece a de Yul Brynner – e outra parte do seu olhar.

Quando ele te olha, você sente que Sifu Leung está tomando suas medidas... Contra gigantes.

FLASHBACK – Hong Kong, 1956, Duncan Sil Hung Leung, aos 15 anos, está lá fora correndo na sacada.

Bruce Lee aparece e grita: “Tenho algo novo para te mostrar”.

Duncan gosta de Bruce. Sua prima, que é atriz de filmes, os apresentou. Esses dois caras têm um interesse em comum: vencer brigas de rua.

Então os dois se juntam na sacada para testar a novidade. Duncan não está muito preocupado; está acostumado com as coisas de Bruce. Eles começam a fazer sparring.

Quarto de respiração

Duncan Leung conta a história com seu vozeirão, 40 anos mais tarde.

“Depois de um tempo eu disse, ‘Ainda não tem espaço suficiente’.

Aí fomos para a colina. Espaço não faltava lá, mas...

‘Onde você aprendeu isso?’ Perguntei pra ele – a técnica era “caça punhos”. Ele me disse que tinha um professor novo e que ele gostaria que eu conhecesse.

O nome do Sifu era Yip Man”.

Uma pausa cheia de respeito e curiosidade interrompe a conversa.

Que privilégio ter sido ensinado pelo pai do Wing Chun moderno! Lembra como Sifu Man foi retratado em Dragon? Como um velho Santo de olhos brilhantes, como Ghandi no corpo de George Burns interpretando Deus.

Hoje Duncan é diretor de administração de uma companhia de importação – exportação com escritórios em Virgínia Beach e Hong Kong. Previamente ele desfrutou de sucesso em caças diversas como a filmes de Hong Kong (onde ele produziu 24 longas-metragens) a armas de fogo (de uma só vez ele foi o décimo quinto maior importador dos EUA). E quando ele viajava internacionalmente para ensinar Wing Chun era o mais bem pago do circuito.

O amigo de Bruce Lee ainda é o mais intensamente provado e menos publicado de outros grandes no renascimento de meio século das artes marciais de Hong Kong. Lidar com ele talvez leve a vê-lo como um anti – Bruce: ‘gênio negro’ do renascimento dourado do Wing Chum.

REVOLUCIONÁRIO

Duncan Leung não é um gênio somente por ter trocado golpes com lendas. Ou porque desde a sua adolescência ele nunca perdeu uma briga (e briga de rua é sua maior paixão – “diariamente. Durante anos. É divertido”). No entanto, Duncan fez o que os gênios fazem – revolucionou.

Duncan Leung alterou radicalmente a natureza da defesa pessoal por toda uma geração de praticantes, nos bastidores, como Bruce Lee fez publicamente. Como? Durante vinte anos ele ajudou a redefinir combates para mulheres e homens americanos de uniforme, aqueles parecidíssimos com a luta mortal: nossas forças armadas e autoridades legais.

Mais do que apenas um artista marcial profissional, Leung é um profissional de profissionais. Ele não treina alunos, mas os instrutores, que são mais difíceis de impressionar.

Duncan já foi tutor das tropas de choque mais fortes do planeta, Navy SEALS. Atrás de sua carteira tem placas do Team Two e do Team Four: “Pelas lições bem ensinadas”. Ter treinado SEALS é um certificado de conhecimento avançado – já que pode impressionar SEALS...

Vamos ouvir David K. Paaina, instrutor chefe Hand to Hand do SEAL Team Two:

“Suas maneiras afáveis, a intensidade com a qual ele ensina e a maneira com a qual ele conduz os negócios me levam apenas a concluir uma coisa; que ele é o melhor profissional que eu já vi.

Qualquer que sejam seus esforços, eu apoio Duncan de todo.

De mim e de meus colegas de time partem agradecimentos e gratidão de coração”.

Da Marinha, do Exército, do FBI, da Polícia da Virgínia, Duncan Leung tem mais cartas de tributo do que ele pode emoldurar, tem mais placas do que paredes para colocá-las. Só tem um pequeno espaço para o Colt 45, gravado, presenteado pelo FBI.

VINDO DAS SOMBRAS

Aqui está um homem extraordinário, aparentemente no auge dos seus poderes. Ainda que recentemente isso tenha ido adiante, fora das suas da sacola preta de operações e informações classificadas para dar consultoria, Duncan Leung diz que sua missão está cumprida: “estou cansado e de saco cheio de qualquer arte marcial”.

Duncan olha para baixo para jogar o cigarro fora. É difícil não dar uma olhada na sua cicatriz de novo. Parte de sua ‘geniosidade negra’ deve-se às suas cicatrizes.

FLASHBACK – Cantão, China, 1942. Duncan nasceu numa família de boas condições. Seu pai era dono de jornais. Vários anos mais tarde eles se mudaram para Macao, quando aconteceu uma tragédia: Duncan testemunhou o assassinato do próprio pai. Está é a cicatriz interna.

Aos sete anos, um trabalho dentário fica infeccionado e leva à cirurgia que, infelizmente, também é mal feita. Resultado: sua mandíbula carrega uma cicatriz profunda, na frente de sua orelha direita. Está é a cicatriz externa.

Então o destino entra em cena, como não poderia deixar de ser: os médicos sugerem artes marciais como terapia pós-operatória. Foi assim, portanto, que tudo começou, para trazer sua cura.

“No começo eu não queria aprender a lutar. Mas depois que eu aprendi artes marciais, fiquei interessado em - eu era um menino mau, de qualquer forma – em machucar pessoas. Eu pensei: ‘É um jogo, é bom, é divertido.’. E comecei a gostar da idéia”.

“Aí você iria lutar com Bruce”.

“Não tanto quanto os jornais dizem... Bruce Lee era bom. Ele era bom quando treinávamos junto com Old Man, e mais tarde (quando voltou de Hong Kong) era melhor ainda. Significava muito para mim o fato do Bruce Lee ter mantido contato comigo”.

ANOS DE EXPERIÊNCIA

A entrevista de Duncan se passou no espaço da escola de Wing Chun, que ele divide em noites alternadas com seu amigo Sifu Hoy Lee, o sênior americano de Jow Ga.

“Por que você está concedendo uma entrevista de artes marciais depois de tantos anos?”.

“Não é para me promover” Não estou mais ensinando. Mas... Eu me sinto na posição de contar minha experiência para as pessoas pelo inferno que passei adquirindo-a.

Sim, eu quero que as pessoas entendam – O que é arte marcial? A arte é – Eu posso te bater, mas você não me bate. E eu quero que saibam – qual a melhor arte marcial? É aquela que te traz confiança, que te convence e que combina com você. Quem é melhor professor? Não é o quanto o professor é bom, mas sim o quanto ele te faz bom.

Por último, o que é Wing Chun? Você domina o seu oponente não pela força ou pela velocidade, mas encurtando sua distância, quebrando seu ritmo – e avançando. Porque eu quero fazer com que você venha a mim.

E só há uma maneira de descobrir o que é útil ou não, se você aprendeu alguma coisa ou não. Tente. Justamente como Old Man nos ensinou: ‘ Quer saber o quanto você é bom? Arrisque, procure briga’. E se você foi bem treinado você não vê, você não enxerga. Apenas reage.”

E quanto mais ele fala de Yip Man, mais óbvio fica que Duncan o venera. Old Man odiava estrangeiros. “Ele cobrou $8, 00. Comecei a treinar com Bruce. Mas continuei observando o que os alunos mais velhos estavam fazendo. Depois fui até Old Man e disse: ‘Isso é tudo?’ É que eu não estava muito impressionado. ‘O que você espera por $8,00?’, ele me perguntou: tem $300 aí?”.

“DEFENDENDO A TIGELA DE ARROZ”

Duncan explica que se Sifu Man tivesse que expor os principais ensinamentos do Wing Chun para os alunos menos informais, em breve ele os veria abrindo escolas concorrentes na mesma rua. Old Man estava apenas “defendendo sua tigela de arroz”.

Então Duncan fez que sua mãe pagasse, durante anos, por aulas particulares. O resto é história. Ele seguiu adiante para se tornar um dos dois ou três melhores lutadores de Wing Chun de sua geração, nivelando-se a Willian Cheung, quem ele conhece e admira.

“E quanto à herança de Yip Man?”.

“O Old Man criou dois problemas... Hoje em dia você vê o Wing Chun, todos pensam que estão fazendo a coisa certa, no entanto 99% das escolas que você for, ensinam de jeitos diferentes. Por quê? Todas vêm de Old Man”.

“Bem, dizem que ele modificaria os ensinamentos de acordo com...”.

“Não. Wing Chun é muito abstrato. Ou você entende ou você não entende. Se não entender, pergunte assim, ‘Sifu, está certo assim, não é?’

Ele sempre disse; ‘sim, você é um gênio, você é o melhor’. Então, o que você pode pensar? ‘Ora, estou fazendo direito, ele (seu colega) está fazendo errado’. E é por isso que – mesmo estilo, ensinando do mesmo jeito – todos fazem diferente.

O segundo problema, ele não te ensinaria nada se não fosse pago suficientemente”.

“Qual foi a lição mais importante que ele te ensinou?”.

“Old Man disse: ‘não acredite em mim. Descubra por você mesmo se funciona ou não. Daí você sabe se fez certo ou errado; daí você tira se o que eu te ensinei é bom ou ruim’”.

“Ele te ensinou a procurar briga?”.

“Nos levou a elas, para falar a verdade”.

“Você não pode fazer isso com os alunos hoje em dia, ou pode?”.

“Não. Old Man disse também: ‘Quer fazer o melhor nas artes marciais? Você tem que: ser jovem quando quiser aprender. E tem que ser impulsivo. Jovem e impulsivo. E tem que ter tripas, ser capaz de suportar alguma dor. Tem que ser rico, para poder me pagar. E acima de tudo, não ter hábitos’”.

“Não ter maus hábitos”.

“Não, nada a ver com fumo ou bebida. Não ter hábitos – problemas familiares, garotas, seus problemas de infância, os problemas de seus pais”.

No mesmo ano em que Bruce Lee deixou Hong Kong, para ir para os EUA, Duncan se mudou para a Austrália. Eventualmente, ele se viu muito envolvido com importação-exportação DOW UNDER, o que significou bastantes viagens.

CONCLUINDO

Em 1970, durante uma viagem de negócios a Nova Iorque, Duncan recebeu uma oferta de trabalho que consistia em dar aulas particulares. Como houve divulgação boca a boca, e com isso Duncan se encheu de clientes, ele abriu sua primeira escola americana na 2 Greet Jones Street Chinatown, Nova Iorque. A América descobriu Duncan Leung.

Houve várias jogadas rancorosas associadas com seu pioneirismo em ensinar em escolas de livre acesso, nesses dias sempre houve sifus que se sentiriam chamados pela honra para desafiá-lo por ensinar “segredos” chineses a “estrangeiros diabólicos”.

No Koon (academia) da rua Great Jones, uma “disputa com o portão fechado”, passou a significar que os oponentes de Duncan não conseguiam sair antes de serem jogados pra fora.

“Como você espera que eu te demonstre o Wing Chun? O único caminho é: ‘Okay,Teste-me’”.

Um dos professores que testaram Duncan foi Ron Van Clief, visto recentemente lutando contra Royce Gracie no Ultimate Fighting Championship IV. Na tradição de seus estilos, Duncan e o Dragão Negro tornaram-se amigos. Eles ainda fizeram um poucos de show business e história das artes marciais juntos através da co-produção do primeiro kung fu na Broadway, uma revisão de astros chamada “Kung Fu - Uma mística excursão no mundo da defesa pessoal oriental”

“Todos estão fazendo Chi Sao demais” ele diz sobre o Wing Chun de hoje. Por quê? “Eles não tem ensinado para você nada além de Chi Sao. Wing Chun é famoso por causa do Chi Sao. Sim, isso é coisa mais importante – para um iniciante”.

“Mas quem luta com Chi Sao? Como se não há contato? Seu oponente não tem de estar em contato para lançar um chute ou um soco em você. Chi Sao é importante para aprender sensibilidade, mas o mais importante é aprender a se cobrir”.

“Veja, nós não bloqueamos. Nós cobrimos. Bloquear nunca funciona. Bloqueando, você tem de ver o que acontece, então você se protege. Cobrir é: antes de acontecer, você se cobre. Então eu sempre estou um passo à frente de você”.

“Na maioria dos estilos, eles batem uns nos outros. No Wing Chun, eu estou cobrindo e batendo ao mesmo tempo. Nós fazemos tudo simultaneamente. Resultado: Eu sou duas vezes mais rápido, e eu não sou atingido”. Pausa.

Nós interceptamos (chutes) usando chutes baixos de parar chutes. Você não pode me alcançar, eu vou parar a sua perna primeiro Se eu estou chutando suas pernas, eu tenho melhor alcance do que você, e é mais rápido (chutando baixo, em vez de chutar acima da cintura).”

“E há prática solo (sem parceiro) demais. Wing Chun precisa ser pré-definido através de repetição, dois a dois, não sozinho. E quando eles fizerem sparring, eles não devem ficar se espancando. Isso é estúpido. Aprenda como não ser atingido.”

Já passa da meia noite quando Duncan finaliza seu interrogatório. O próprio entrevistador está preto e azul de algumas das vigorosas “explanações”. Boas-noites são ditas, ele aperta as mãos com firmeza. Ele é pequeno e blasé, e ainda depois de alguma emoção ríspida, o que Duncan Leung inspira em outro homem, além de respeito é...Lealdade.

Na manhã seguinte seu amigo Hoy Lee tenta colocar uma boa expressão na conversa sobre a aposentadoria de Duncan. “Talvez ele irá apenas dar um tempo por ora...” Ele comenta, “você conhece artes marciais. Épocas boas, algumas ruins, mas isto está sempre em seu sangue.”

Bem que Bruce poderia parar mostrar a Duncan um novo movimento, você não acha?

Por Herb Borkland, que é um freqüente colaborador da revista “Inside Kung Fu”. A última vez que escreveu foi sobre o Sifu de Maryland, Hoy Lee, na matéria de agosto de 1995

Entrevista Mestre Li Hon Ki - 1995

WING CHUN, WING TSUN, WING CHUN OU VIN TCHUN, NÃO IMPORTA COMO O NOME DESSA ARTE É ESCRITO.

O QUE IMPORTA É A SUA EFICIÊNCIA.

A partir desta edição estaremos mostrando o trabalho do Mestre Li Hon Ki que, curiosamente, após estar 15 anos no Brasil ensinando o Hung Gar, o Tai Chi e o Wing chun, transferiu para o seu discípulo Gilberto Giovani o controle do estilo Hung Gar, e partiu rumo à Virgínia, nos Estados Unidos, onde ficou por um período de um ano e meio desenvolvendo o Wing chun com o Grão – Mestre Duncan Sil Hung Leung que na realidade é um comerciante de sucesso, não vive da arte marcial. Dá aulas somente para a elite do exército norte-americano, e é o único mestre reconhecido pelas forças armadas ianques. Ele dá aulas para o pessoal do FBI e da marinha daquele país.

Qual o nome de seu atual Mestre de Wing chun?

“Meu mestre reside atualmente nos Estados Unidos. Seu nome? Duncan Sil Hung Leung”.

Qual o motivo de sua ida aos Estados Unidos?

“Fiquei mais de um ano nos Estados Unidos e lá treinei com meu mestre, e senti que pela primeira vez treinei Wing chun de verdade, pois, antes, havia treinado com cinco mestres da arte e nunca fiquei tão satisfeito como fiquei ao treinar com meu mestre atual”.

Por que treinou com cinco mestres?

“Comecei a praticar o estilo Wing chun em 1968 e após alguns anos de pratica não me sentia satisfeito com meu primeiro mestre, não porque não quisesse me ensinar, mas sim porque sentia que faltava alguma coisa. Então procurei outros mestres para tentar esclarecer minhas dúvidas e assim, em vinte e cinco anos de prática do estilo Wing chun, treinei com cinco mestres. E mesmo assim, aquela dúvida que sentia dentro de mim continuava, e sempre que precisava usar minha arte percebia que aquelas técnicas de Wing chun não funcionavam. Isso até encontrar meu atual meu atual mestre Duncan Sil Hung Leung, pois, a partir daí, descobri que o Wing chun é a melhor arte marcial que conheci”.

Na sua opinião, o que uma pessoa busca na prática de uma arte marcial?

“Dei aulas de Kung Fu, não somente de Wing chun, mas sim de vários estilos e digo aos meus alunos que não vou ensiná-los a bater em outra pessoa porque você pode ver em brigas de rua que até as crianças que nunca treinaram arte marcial sabem bater e sendo assim o que ensino para meus alunos é aprender a não apanhar, porque para não apanhar você precisa treinar arte marcial, e no Wing chun todos sabem que o fundador dessa arte é uma mulher e por mais que treine, uma mulher não vai atingir a força e o vigor físico de um homem e por essa razão o Wing chun é um estilo diferente de outros estilos de arte marcial, pois torna o praticante capaz de vencer um oponente muito mais forte do que ele, já que usa a força juntamente com a energia do oponente e isso torna o ataque mais forte, possibilitando derrubá-lo, apesar das diferenças de peso e tamanho”.

Fale sobre o aspecto técnico de sua arte.

“O estilo Wing chun usa técnicas de defesa de forma que esta sirva também como um ataque, e o ataque pode funcionar também como bloqueio e existem ainda formas de proteger o corpo através do domínio de três linhas, a da esquerda, a da direita e a central, não dando condições ao adversário de entrar com o ataque. Quando o praticante aprende a proteger-se através do domínio dessas três linhas, fica muito difícil golpeá-lo”.

Como são divididos os treinamentos e técnicas de luta?

“O Wing chun pode ser dividido em três níveis: o primeiro ensina ao praticante como usar o braço para defesa; o segundo usa o braço e a perna para defesa; e o terceiro usa técnicas que tornam possível interceptar o ataque do oponente. Nessas técnicas não existe distinção entre defesa e ataque, pois as técnicas de defesa servem para defender-se e, juntamente, para machucar o adversário durante o seu ataque, e se o praticante usa um ataque, este serve, também, como defesa.

O Wing chun não usa defesa para bloquear e depois contra-atacar, mas num único movimento, no qual tudo está incluído.

O Wing chun possui um método de desenvolvimento de energia no qual os exercícios como flexões, por exemplo, são bem distintos de outros métodos e desenvolvem o trabalho interno do soco (chee hung choi), assim como o exercício abdominal não serve apenas para desenvolver o abdômen, mas desenvolve a energia necessária para a prática do chute.”

O Wing chun é famoso por usar técnicas de curta distância. Essa técnica é mais eficiente do que as técnicas de longa distância utilizadas em outros estilos?

“O Wing chun possui técnicas de longa e de curta distância e as duas possuem igual valor. Nas técnicas de longa distância é utilizada a energia do ombro, e na técnica de curta distância, a força do cotovelo.”

Qual a importância da base no Wing chun?

“A base do Wing chun é bem diferente de outros estilos. Todas as bases partem da base principal que é chamada pela maioria dos praticantes de Wing chun de “Yee (dois) Ji (letra) Kim (fechado) Yeung (carneiro) Ma (base) e a forma correta de pronunciar-se é Yee Jii Kim Yeung Ma.

Essa diferença é tão importante que se o praticante de Wing chun não souber o nome certo dessa base, seu caminho já está errado. Cada mestre montou seu próprio jeito de base, mas se você souber o certo, não precisa montar nada, pois só com o jeito certo é possível soltar a energia e aplicar a técnica corretamente. Esse método possibilita soltar a energia do quadril e ombro para executar com eficiência a técnica “Chee Hung Choi” (soco do sol) que utiliza, além da base, quadril e ombro, a energia do cotovelo.”

Quem aprende a forma do Biu Je já pode se considerar um praticante avançado de Wing chun?

“O Wing chun possui três katis (formas) de mão: o ‘Siu Lim Tao’, ‘Chun kiu’ e ‘Biu Je’, e o fato de conhecer essas três formas não quer dizer que o praticante saiba utilizá-las durante um combate. Saber apenas as formas é semelhante à pessoa que sabe as letras do alfabeto (a,b,c,d,...) e não consegue encaixá-las nas palavras.

A teoria do Wing chun posta em pratica é como dar um ‘tapa na água’. Você afunda a água de um lado e ela levanta do outro.

No Wing chun, quando o praticante faz o primeiro movimento, ele já sabe qual será o segundo movimento a ser utilizado, devido ao treinamento de sensibilidade do ‘Chi Sao’.

Em outras academias, você aprende primeiro filosofia, história e um monte de Katis; e o aspecto marcial da arte, a luta em si, fica como promessa de que um dia ele a aprenda de verdade e fique bom de luta. E quando o praticante olha para trás, já se passaram 3, 5, 10 até 20 anos e ele continua sem segurança, sequer para dar um soco que seja realmente eficiente. Na minha academia não é assim, o aluno aprende primeiro a se defender e não apanhar na rua; depois de ficar bom em luta, começa a aprender a filosofia e a história do estilo.”

Por que o senhor dá tanta importância ao aspecto marcial, a luta em si, enquanto que outros mestres colocam este aspecto em segundo plano, dando preferência à arte, filosofia e história do estilo?

“Hoje em dia, para se iniciar numa arte marcial tem de ser muito rápido, porque você pode ter problemas nessa sociedade deturpada e violenta. Temos de desenvolver a prática, e a qualquer instante aprender a lutar e se defender na rua o mais eficiente e rapidamente possível.

Um bom mestre de arte marcial é como um médico, que pode salvar a vida de uma pessoa como também matá-la, porque se esse mestre enganar o aluno, este pode este pode achar que é bom e quando precisar se defender na rua pode vir a ser morto. Mas se o aluno aprender a técnica verdadeira, isto pode salvá-lo de um grande perigo. O mundo está mudado, e assim os métodos de ensino das artes marciais devem acompanhar essa mudança, contudo, sem perder a sua tradição milenar. Na minha academia, primeiro o aluno deve preparar bem o corpo, aprimorar sua técnica e só depois é vai praticar Wing chun como uma arte.

Quando uma pessoa entra numa academia, ela não está procurando apenas uma boa saúde que é somente uma parte do seu objetivo, isto porque se for treinar só pensando nisso, então é melhor que pratique Cooper, natação ou jogue futebol. Mas se essa pessoa escolhe a arte marcial é porque busca, além da saúde, proteger seu corpo de um perigo que possa prejudicar sua vida, sua saúde, seu bem-estar físico e mental, e o da sua própria família. Quanto ao aspecto espiritual posso dizer que o nosso corpo é como um templo, onde habitamos em espírito e devemos protegê-lo para que o espírito possa ficar nele o tempo determinado a cumprir sua missão nesta vida.”

Por que o Wing chun difere de mestre para mestre, enfim, porque o Wing chun é diferente nos estilos?

“Yip Man tem um só Wing chun, mas ele não ensinou a fundo essas técnicas, e quando seus alunos perguntavam se estavam bons, Yip Man apenas concordava dizendo, ‘sim, você está muito bom, está ótimo’. E esses alunos, que hoje são mestres, acham que são mesmo muito bons, mas na verdade nenhum deles, exceto meu mestre Duncan Sil Hung Leung, aprendeu os níveis avançados de Wing chun.

Fica difícil provar a palavra do meu mestre porque Yip Man já morreu, então, a única maneira de provar é com os meus punhos, e se alguém acha que possui técnicas secretas ou avançadas do patriarca Yip Man, eu o convido a vir a minha academia e então vou mostrar qual técnica é a melhor do Wing chun, tanto em luta como em Chi Sao.

Meu mestre teve aulas particulares com Yip Man por 4 anos e diz que os dois alunos mais antigos do patriarca que ainda vivem são o Grão-mestre Lok Yiu e Choi Seun Tin, e ambos afirmam que o único que sabe o Wing chun completo é o meu mestre Duncan Sil Hung Leung.”

Mestre, quais são as suas palavras finais, enfim, que mensagem gostaria de transmitir aos que levam a sério a prática do estilo Wing chun?

“As técnicas do Wing chun devem ser treinadas de maneira repetitiva e contínua, pois só através da prática que se torna possível assimilar o conteúdo do sistema e adquirir um grau de sensibilidade e percepção suficiente para serem utilizadas em combate.

Se você está interessado em aprender Wing chun tem de estar disposto a praticá-lo de corpo e alma, mas se treinar Wing chun somente porque é o estilo que Bruce Lee aprendeu ou porque achou bonita a propaganda na revista, então nunca aprenderá Wing chun com sucesso. Você deve procurar entender se o Wing chun é realmente o que está buscando para si dentro dos estilos de artes marciais, e se for, aí sim, com certeza você aprenderá essa arte.”

Nota: na próxima edição*, Mestre Li Hon Ki mostrará alguns aspectos técnicos de sua refinada arte do Wing chun.

*Entrevista concedida por Mestre Li Hon Ki à revista Kiai em 1995.

Destrinchando o Muk Yam Jong, o boneco de madeira do Wing Chun, em uma análise de caso. Parte II

Pois é, assim como o personagem do game Tekken, Mukujin ( 木人) lit. Pessoa de Madeira, Uma corruptela de seu alter ego, Muk Yan Jong ( 木人...