sexta-feira, 22 de novembro de 2013

ME BATE QUE EU TE MOSTRO - a conversa mole, a farsa e a violência como componente das demonstrações de artes marciais. - Por SiFu Marcos Abreu




NÃO ACREDITA EM MIM? PODE BATER.

Acabo de ler num fórum de internet onde sou moderador uma declaração muito bonita de um estudante sobre as habilidades de seu Mestre. Segundo este estudante, seu mestre é capaz de proezas de que poucos na posição dele são; ele é rápido, astuto e pode derrotar um homem em segundos. Para confirmar sua tese, ele menciona um episódio em que um cético invadira a sua academia, a princípio por troça, mas acordara depois do mestre desafiá-lo:

- Bata-me do jeito que quiser!

Eu que sou macaco velho em arte marcial notei neste depoimento uma ocorrência muito comum no ritual das visitas de curiosos a academias de luta: o batidíssimo..."- Me bate que eu te mostro!"

O "Me Bate que Te Mostro" é um ato de demonstração de um mestre habilidoso na arte de conduzir pessoas, e depende necessariamente de pessoas impressionáveis, assim como o hipnotizador precisa de uma pessoa suscetível, para que suas habilidades apareçam, ou do logro sério do estelionatário, que se vale do desespero alheio para que a obviedade mentirosa de seu truque seja ofuscado pela ânsia ou ambição da vítima.

Não é preciso dizer que o mestre defendeu o golpe do ousado rapaz que veio de fora. Mas é claro que sim. A partir do momento em que dou um comando, eu tenho o "tempo certo" para agir. No Wing Chun, uma luta que já é feita para reações rápidas na curta distância e na condição da desvantagem, essa premissa é particularmente necessária.


MOSTRA DE UM LUTADOR DE RINGUE X VENDEDOR DE "DEFESA PESSOAL"

Quando um instrutor de boxe pede para que você desferir um golpe, geralmente ele mostra uma nuance técnica, algo que é facilmente verificável em combate, que já foi feito centenas de milhares de vezes diante das câmeras, por exemplo. Isso ocorre porque lutas de ringue tem um repertório mais simples, e o resultado desejado pelo público é estimulado pelas regras, movimentação, ambiente e ética do esporte, para que o combate não vire um ato de selvageria. Não há necessidade de mostrar uma habilidade pessoal, pois isso será feito de qualquer jeito, pois as pessoas lutam de fato. A pessoa que está lá viu o que é a luta, e tem uma ideia ao menos do que seja, e a demonstração geralmente vem como parte objetiva na busca por um gesto técnico (reparem bem) real, dinâmico e de resultados verificáveis.

Já o vendedor profissional de defesa pessoal (tirando as exceções necessárias, uma vez que cada arte marcial ou tem um repertório de defesa pessoal ou a própria arte funciona como) tem a necessidade de provar que a fantasia que ele vende pode funcionar na prática, ainda que o fato de você ter sque usar o que sabe para salvar a vida por si só já demonstre o quanto a sua estratégia de prevenção foi fracassada. Por isso o "me bate que eu te mostro" é tão imprescindível; a habilidade do mestre em usar uma técnica "mortal" (obviamente o cara não vai te matar para mostrar, e muitas vezes nem mesmo seria capaz disso) de forma mais branda, derrubando, imobilizando, batendo num voluntário cria a ilusão que o mestre é o detentor de todas as respostas: mas e se o cara faz isso? "Zum!" E isso? Pá!!! A sonoplastia é também parte do show do mestre na maior parte das vezes. Não há qualquer garantia que a movimentação vá funcionar, ou que alguém da academia ou mesmo o professor tenha realizado o movimento numa luta de rua uma vez sequer na maior parte dos casos, ou mesmo seja capaz de reproduzir a técnica num combate amistoso com os alunos. Ou seja, você confia a sua vida a um tiro no escuro. Um tiro que, pelo menos na demonstração, tem hora, local e forma definida, justamente o oposto do ambiente chave para a validação da técnica/arte.

PORRA, BICHO, QUE PANCADA!!! VOCÊ VIU??!!!

Um grande amigo meu do passado havia ido a uma academia de Kung Fu, e logo vem a inelutável demonstração:
 - Mestre?
- Sim, filho.
- Mostre-me a pata do Dragão
- Pá!!!
- Mestre?!!!! Por que me bateu?
- Dragões nunca dormem, garfanhoto.

O soco de uma polegada, a pueril demonstração que Bruce Lee executava nos anos sessenta, uma mistura de biomecânica corporal e truque circense, valia-se do soco do Wing Chun para demonstrar que mesmo sem um grande espaço, uma pessoa pode gerar grande poder. A pessoa tomava um grande susto, na maior parte das vezes, recebendo um forte tranco para trás, ao receber o soco sobre um protetor e caia sobre uma cadeira colocada atrás dela , para dramatizar mais o truque. Outros tempos. No "me bate que eu mostro", a coisa pode ficar perigosa para o iniciante quando, sob pretexto de mostrar poder de punch, o mestre ou instrutor te desfere um golpe diretamente, e você gemendo , sentindo forte dor local torna-se a atração principal. "Eu (bato) te mostro". E tome torção. E tome chute na coxa. Soco na barriga, Pá!!! Nossa, quanto poder! Afinal, é toma lá, dá cá, você já teve a sua chance de bater antes.

Se alguém precisa te golpear sem te dar a chance de defesa para mostrar habilidade, com energia desproporcional ao objetivo da demonstração, você provavelmente está diante de um profissional inseguro, incompetente e, principalmente, que não se preocupa com sua segurança ou bem estar.

Obviamente há casos e casos, mas lembre-se quanto mais controlada (me bate!), difícil, cheia de malabarismos e com atos de violência é composta a demonstração das habilidades de um mestre de artes marciais, maior a probabilidade de ela não funcionar para você se realmente precisar, especialmente se você for uma pessoa comum, sem grandes habilidades ou força física. E que quanto mais um mestre está ávido para mostrar o que sabe, é bem provável que menos ele consiga colocar em prática o que demonstra. Um mestre realmente seguro não sente necessidade de se exibir.
















5 comentários:

Anônimo disse...

Nesse post você praticamente disse que nenhuma arte marcial do mundo funciona em uma briga de rua. Ao mesmo tempo, você disse que dizer "me bate que eu mostro" não funciona, como ridiculariza o ataque surpresa. então não existe uma forma de praticar luta, segundo esse seu critério. não se pode praticar quando se espera por um golpe e não se pode praticar "de surpresa". pra alguém com o status (ou que se diz com o status?) de sifu, você falou algo bem confuso sobre um assunto que deveria dominar.

Unknown disse...

Caro colega, obrigado por sua opinião.

Em nenhum momento eu faço as afirmações que alega em seu post. Eu apenas sustento que os profissionais usam da ignorância de seu interlocutor para afetar habilidades maiores que eles tem de fato.

Ora, todos eventualmente necessitam que alguém os golpeei para demonstrar um ou aspecto daquilo que fazem, mas obviamente contam com a condescendência daqueles que o fazem, sendo que o julgamento venha, num primeiro momento, da coerência do que se vê, e, mais tarde da verificação da experiência; entretanto, não há nenhum critério que garanta que artes marciais que vendem a dita "defesa pessoal absoluta" possam ter suas técnicas reproduzidas por seus depositários, uma vez que elas seriam "mortais", ou lesivas em demasia.

Talvez eu tenha pecado no texto em não supor que haja também aqueles honestos que fazem uso do mesmo veículo de modo igualmente convincente, porém mais conectado com a realidade da aplicação in loco. Mas isso fica subentendido no texto.

A demonstração em si não é o problema. Pelo contrário, da ação e reação parada resultam boa parte das situações iniciais de artes marciais clássicas, e embora muitas vezes pueris, são boa base aos iniciantes. O texto trata deste uso desleal com o leigo.

Bem, meu status é importante para mim em termos profissionais, e tomei o cuidado de obter um certificado, mas não vale nada para mim em termos pessoais, uma vez que o reconhecimento do título de fato vem com seu posicionamento, postura ética e habilidade para ensinar o que acho que aprendi.

Caso eu me esconda atrás dele, este título, ficarei preguiçoso e relapso. Status significa para mim responsabilidade. Se pudesse crescer profissionalmente nesta área sem o uso do termo, acredite, eu o faria. Mas posso dizer que as lutas em ambiente não-controlado, nos ringues, as minhas publicações e trabalho de denúncia da pilantragem marcial, se não me fazem Sifu, fazem certamente alguém que entende, sim, do que fala, e muito bem. Não há confusão alguma, talvez um afã de abrir os olhos para a pilantragem no meio marcial. Salvei minha própria vida com as técnicas que ensino, bem com alguns de meus alunos. Perdi um deles há um ano, como pode ler em alguns ensaios que faço aqui. Talvez lendo algum destes artigos possa compreender o que não fui capaz de dizer neste.

Unknown disse...

A arte marcial passa pela defesa pessoal, mas a venda da "defesa pessoal" como um produto para mim é perniciosa na quase totalidade dos casos, com raras e honrosas exceções. O texto gera uma dúvida. Onde se encaixam as artes marciais se não for no ringue e se eu não necessitar lutar por minha vida? Afinal você pode treinar durante quarenta anos e sequer discutir no trânsito durante neste período. Para que treinei então? Fica o convite à reflexão.

Adriano Azevedo disse...

"Afinal você pode treinar durante quarenta anos e sequer discutir no trânsito durante neste período. Para que treinei então? Fica o convite à reflexão. ".

Marcos, talvez o fato de ter treinado durante quarenta anos (nessa hipótese que citou) foi o "trunfo" que possibilitou que a pessoa não necessitasse discutir no trânsito. Depois de tantos anos praticando artes marciais, vejo que nos acostumamos com a "violência", praticando o contato com a mesma, justamente para não precisar ou ter que usá-la. Percebi que quanto mais se pratica artes marciais e mais você percebe que está evoluindo e sua técnica melhorando, mais você se conscientiza que sabe um pouco mais do que as pessoas que não praticam artes marciais, o que te proporciona uma certa responsabilidade sobre as consequências do que você pode provocar. Então refletindo sobre sua pergunta, acho que tirando a prática esportiva e a defesa pessoal, acredito que atualmente a prática de artes marciais, quando direcionadas por um verdadeiro SiFu, promovem insights que fazem você se auto-questionar sobre muitas coisas e ao se auto-questionar você aprende a se conhecer melhor, então tudo se resume a autoconhecimento.

Unknown disse...

Caro Sifu Adriano,

Concordo totalmente com seu ponto de vista. As pessoas não estão acostumadas com textos que não deem respostas prontas, que exijam das mesmas a construção de um raciocínio durante a leitura.

Relendo aqui esta discussão vi o quanto o rapaz interpretou de forma linear e pobre o que escrevi . Foi um período complicado para mim, pois fazia um ano de perder um amigo muito querido. Mas vamos em frente.

Sifu, da próxima vez deixe a humildade um pouco de lado e se identifique como profissional (ou tutor, ou ambos, uma vez que nem todos ensinam para ganhar dinheiro). É muito quando temos opiniões de membros da grande família Wing Chun.

Abraço,
Marcos.

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